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Isabela Boscov

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Gary Oldman como Churchill: inacreditável

E outros sete atores que se transformaram para viver personagens reais

Por Isabela Boscov 3 out 2017, 18h18

Diz a história que Laurence Olivier, o maior ator inglês do século 20, não conseguia nem subir ao palco sem pelo menos um nariz falso: transformar-se fisicamente era uma parte indispensável do “processo” dele. E é algo que a maioria dos atores adora fazer. Ganho ou perda de peso, próteses, maquiagem, perucas, tudo ajuda – em especial quando o intérprete tem de se aproximar do aspecto de um personagem real. Mas, nos casos que realmente se tornam dignos de nota, esses recursos são apenas colaborativos: o que crava um desempenho desses é a capacidade de encontrar a pessoa real por baixo do figurino. Como fazem, por exemplo, Gary Oldman e Kevin Spacey em dois filmes que estão para ser lançados nos próximos meses, e que já vêm com candidatura ao Oscar dada como certa:

Gary Oldman como Winston Churchill em O Destino de uma Nação (2017)

Gary Oldman em 2016, como Winston Churchill em “O Destino de uma Nação”, e Winston Churchill
Gary Oldman em 2016, como Winston Churchill em ‘O Destino de uma Nação’, e Winston Churchill em 1956 (Ethan Miller e Keystone/Getty Images)

Vai aí pela centena o número de vezes em que o primeiro-ministro que liderou e galvanizou a Inglaterra durante a II Guerra Mundial foi personagem no cinema ou na televisão. Algumas das caracterizações são sensacionais: a de Brendan Gleeson em Tempos de Tormenta, a de Albert Finney em The Gathering Storm, a de John Lithgow em The Crown, a de Michael Gambon em Churchill’s Secret, a de Brian Cox em Churchill – que entra em cartaz esta semana nos cinemas brasileiros. Mas já está acertado que poucas vezes se verá um Churchill (1874-1965) tão extraordinário quanto o que Gary Oldman faz no filme que estreia aqui em janeiro. Oldman, um palito de magro, teve de ser acolchoado por baixo da roupa e ganhar várias camadas de látex no rosto para ficar corpulento como o primeiro-ministro. Mas o que assombra é a maneira como ele incendeia o personagem: voluntarioso, colérico, feliz como pinto no lixo com a responsabilidade esmagadora, carismático e trocista, este é um Churchill – outro Churchill, claro – para ficar na história.

Kevin Spacey como J. Paul Getty em All the Money in the World (2017)

Kevin Spacey em 2017, como J. Paul Getty em ‘All the Money in the World’, e J. Paul Getty em 1972
Kevin Spacey em 2017, como J. Paul Getty em ‘All the Money in the World’, e J. Paul Getty em 1972 (Hannes Magerstaedt e Evening Standard/Getty Images)

Pessoa física mais rica do planeta nas décadas de 60 e 70, o industrial Jean Paul Getty (1872-1976) construiu sua fortuna bilionária com petróleo. Mas nunca deixou de ser um notório mão-de-vaca. Ainda assim, ele deixou o mundo boquiaberto – e consternado – quando, em 1973, recusou-se a pagar o resgate de 17 milhões de dólares pelo sequestro de seu neto, John Paul Getty III, que tinha então 16 anos. A perplexidade com a atitude de Getty virou uma onda de ódio quando os sequestradores cortaram a orelha do menino e a enviaram para o avô, como prova de que estavam dispostos a ir a extremos. Getty argumentava que, se pagasse, estaria aberta a temporada de sequestros à sua família. No final, ele negociou com os sequestradores o valor de 2,2 milhões de dólares – o limite do que poderia ser deduzido do imposto de renda. Kevin Spacey está habituado não só a transformações físicas, mas também a personagens cavilosos e detestáveis. Por exemplo, óbvio, o Frank Underwood de House of Cards. Como, apesar de tudo, acaba-se torcendo por Underwood na série, é excitante pensar no que ele pode extrair do personagem, ao mesmo tempo em que se diverte com seu rosto caído (Getty tinha 81 anos nessa altura), de orelhas enormes e sobrancelhas desvairadas, e sua postura fechada. Ridley Scott dirige, e a estreia americana, em dezembro, está na data certa para pôr Spacey para disputar o Oscar com Gary Oldman.

Johnny Depp como James “Whitey” Bulger em Aliança do Crime (2015)

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Johnny Depp em 2015, como James “Whitey” Bulger em ‘Aliança do Crime’, e James Joseph “Whitey” Bulger (Jason Merritt/Getty Images)
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James “Whitey” Bulger causava impressões fortes: saindo de uma temporada de nove anos no presídio de Alcatraz, com a calva avançando pelos cabelos quase platinados, os olhos azul-gelo e os dentes estragados, ele ainda assim lembrava o jovem bonito que já fora. O que verdadeiramente se impunha, porém, era a ameaça que ele exalava. Durante as décadas de 70 e 80, Whitey usou o terror que era capaz de instilar – e de praticar – para dominar a hierarquia criminosa de Boston. Em um brevíssimo intervalo, passou de gângster de quarteirão a rei do submundo, controlando qualquer transação suja, ilegal ou violenta que acontecesse na cidade. Condensar essa capacidade de intimidação e coação é a tarefa de Johnny Depp, e o êxito que ele obtém no filme é bem mais mérito da sua interpretação que do trabalho algo pesado dos maquiadores. Hoje com 88 anos, Whitey cumpre duas penas perpétuas consecutivas, depois de passar dezesseis anos foragido.

Robert De Niro como Jake LaMotta em Touro Indomável (1980)

Robert De Niro em 1979, como Jake LaMotta em ‘Touro Indomável’ e Jake LaMotta
Robert De Niro em 1979, como Jake LaMotta em ‘Touro Indomável’ e Jake LaMotta (Evening Standard e Keystone/Getty Images)

Robert De Niro tinha 37 anos quando o diretor Martin Scorsese lhe confiou a tarefa de viver o boxeador Jake LaMotta da juventude, quando se tornou campeão dos pesos-médios (em 1949), até a rivalidade com Sugar Ray Robinson – o espancamento que LaMotta toma dele no ringue, round após round, sem pedir arrego, é uma das cenas mais estressantes do cinema – e a sua feia e decadente meia idade. Inseguro, ignorante, explosivo e destrutivo, o personagem é, nas mãos de De Niro e de Scorsese, um estudo sobre a inadequação masculina. De Niro começa o filme em forma de atleta profissional: treinou boxe feito doido, controlou o peso obsessivamente, ficou mais ágil do que em qualquer outro momento da sua carreira. Para o declínio de LaMotta, fez o contrário: encheu-se de comidas calóricas para ganhar 30 quilos o mais rapidamente possível, parou toda atividade, ganhou banha e flacidez, ficou lento e pesado. É uma das grandes histórias de punição física de um ator em prol de seu personagem, rivalizando com a de Tom Hanks em Náufrago ou a de Christian Bale em O Operário.

Charlize Theron como Aileen Wuornos em Monster – Desejo Assassino (2003)

Charlize Theron em 2003, como Aileen Wuornos em “Monster – Desejo Assassino”, e a verdadeira Aileen Wuornos
Charlize Theron em 2003, como Aileen Wuornos em ‘Monster – Desejo Assassino’, e a verdadeira Aileen Wuornos (Kevin Winter/Getty Images)
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As estatísticas comprovam que, quando uma atriz bonita se enfeia para um papel, suas chances de Oscar disparam. E Charlize Theron, uma das mulheres mais lindas da história do cinema, levou a feiúra a sério para viver Aileen Wuornos, que cresceu miserável e solitária, sofreu abusos sexuais sistemáticos durante a infância e a adolescência, tornou-se prostituta de beira de estrada e então surtou: no espaço de um ano, matou seis homens, ou talvez sete. Presa em 1990 e executada em 2002, Aileen é um dos raríssimos casos de mulheres serial killers. Para interpretá-la, Charlize engordou quase 20 quilos, raspou as sobrancelhas, colocou um aplique maltratado no cabelo e usou uma maquiagem que fazia sua pele parecer gasta e manchada. Ganhou o Oscar, claro. Mas, ainda que não houvesse esse esforço de caracterização, seu desempenho se destacaria. A atriz faz transpirar, de Aileen, uma brutalidade e uma fome de afeição animais, que ao mesmo tempo a tornam repulsiva e explicam sua vingança.

Russell Crowe como Jeffrey Wigand em O Informante (1999)

Russell Crowe em 1999, como Jeffrey Wigand em ‘O Informante’ e Jeffrey Wigand
Russell Crowe em 1999, como Jeffrey Wigand em ‘O Informante’ e Jeffrey Wigand (Patrick Riviere/Getty Images)

Três meses depois deste filme do grande Michael Mann ser lançado no Brasil, Russell Crowe seria visto de novo nos cinemas com aparência bem diferente: jovem, forte e musculoso como o protagonista de Gladiador. Crowe sofreu para passar de um personagem a outro em um intervalo bem curto. Para viver Jeffrey Wigand, executivo de um dos sete grandes fabricantes americanos de tabaco que foi demitido em 1993 e então decidiu violar seu acordo de confidencialidade e contar tudo o que sabia (e era bastante) sobre os segredos da indústria para viciar os fumantes, Crowe teve de engordar rápido e mal – comendo calorias vazias aos montes, para ficar balofo e flácido. Uma peruca grisalha e a pele de um cinza insalubre completam o aspecto envelhecido e estressado. Mas, de novo, o talento supera os milagres da maquiagem: Crowe aqui é uma bomba-relógio que implode com intensidade cada vez maior, durante o filme todo, até ser posto por terra pela própria força.

Jared Leto como Mark Chapman em Capítulo 27 (2007)

Jared Leto como Mark Chapman, o assassino de John Lennon, em Capítulo 27 (2007)
Jared Leto em 2007, como Mark Chapman em ‘Capítulo 27’ e Mark Chapman (Thos Robinson/Getty Images)
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Em 8 de dezembro de 1980, Mark Chapman fez o que será eternamente inexplicável: assassinou John Lennon na entrada do prédio em que ele morava, em Nova York. Fã que se sentira rejeitado pelo ídolo, Chapman disparou cinco tiros e acertou quatro deles – pelas costas (hoje está preso, cumprindo pena de 36 anos a perpétua). Para interpretar o perturbado e inchado protagonista, o delgado e ágil Jared Leto engordou mais de 30 quilos, seguindo um método de sua própria invenção: punha baldes de sorvete no microondas, para poder bebê-los mais rapidamente, e cobria a gororoba com azeite de oliva e shoyu. Desenvolveu gota, palpitações cardíacas e hipercolesteremia, e tinha dores tão fortes nas costas por causa do ganho de peso muito alto e muito rápido que, às vezes, precisava de uma cadeira de rodas. Leto diz que demorou anos para superar todos os efeitos da transformação sobre a sua saúde. Mas, como se viu no show da banda dele no Rock in Rio, ele voltou a ser lépido como sempre fora.

John Hurt como John Merrick em O Homem Elefante (1980)

John Hurt em 1980, como John Merrick em ‘O Homem Elefante’ e John Merrick
John Hurt em 1980, como John Merrick em ‘O Homem Elefante’ e John Merrick (Monti Spry/Getty Images)

Gary Oldman diz que a única vez em que tremeu na base por ter de dividir a cena com alguém foi quando trabalhou com John Hurt em O Espião que Sabia Demais, em 2012: “Ele é absolutamente o maior”. Hurt morreu em janeiro deste ano, aos 77 anos, e deixou um legado memorável: mais de 200 trabalhos no cinema e na TV e quase o mesmo tanto no teatro – quase todos superlativos. Mas foi indicado ao Oscar apenas duas vezes (nunca ganhou), como coadjuvante em O Expresso da Meia-Noite, de 1979, e como ator principal em O Homem Elefante. Sob camadas e camadas de látex, e dirigido por David Lynch, ele parte o coração como o doce e inteligente John Merrick (cujo nome correto era Joseph), que foi resgatado de uma vida em circos de aberrações por um cirurgião londrino. Merrick é um dos casos mais extremos já documentados de síndrome de Proteus, que causa crescimento descontrolado dos tecidos – tão grave que morreu asfixiado por causa do peso de sua cabeça, aos 28 anos, em 1890.

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