A Academia revê regras, tira do corpo de votantes gente que está há muito tempo fora do jogo, procura novos membros em setores mais inovadores do cinema e em outros países – e nada muda: se há uma coisa surpreendente neste Oscar 2020, é a baixíssima taxa de surpresas que ele oferece. Jennifer Lopez, que baixou como um furacão em As Golpistas? Esnobada. Lupita Nyong’o, o fio de alta-tensão sobre o qual Nós se equilibrou? Esnobada. Jamie Bell, enregelante como um neonazista em Skin? Esnobado. Eddie Murphy, que deu tudo o que tem em Meu Nome É Dolemite? Esnobado. A irlandesa Jessie Buckley, uma explosão de cor e calor em As Loucuras de Rose? Esnobada. Paul Walter Hauser, um eterno coadjuvante que se mostra um protagonista magistral em O Caso Richard Jewell? Esnobado. O Farol? Esnobado em todas as categorias exceto fotografia. À parte um ou outro lance mais arrojado, como a indicação de Klaus entre as animações e a de coadjuvante para a esplêndida Florence Pugh por Adoráveis Mulheres, a Academia foi no seguro e no previsível – para não dizer no preguiçoso, repetindo uma injustifícável indicação para Saoirse Ronan (há dois anos por Lady Bird, agora por Adoráveis Mulheres, ambos da diretora Greta Gerwig) e dando uma dobradinha para Scarlett Johansson, que compete como atriz por História de um Casamento e como coadjuvante por Jojo Rabbit. Juntamente com o sul-coreano Parasita (com seis indicações, inclusive, ufa!, para o diretor Joon-ho Bong), aliás, o filme do diretor neozelandês Taika Waititi é a inclusão mais irreverente e revigorante na categoria de melhor filme: não é todo ano que a Academia demonstra coragem para abraçar uma história como esta, sobre um pequeno nazista solitário que tem Adolf Hitler como amigo imaginário.
Até os supostos favoritos desta edição do Oscar parecem bem menos garantidos quando examinados em detalhe: a Netflix soma 24 indicações por O Irlandês, História de um Casamento, Os Dois Papas e Klaus, mas só está em peso de briga nas categorias de atriz, com Scarlett Johansson, e coadjuvante, com Joe Pesci e Laura Dern. E Coringa lidera com onze indicações mas, afora o quase certo (e merecidíssimo) prêmio de melhor ator para Joaquin Phoenix, deve ficar de mãos abanando nas categorias principais. A Academia, assim dá um jeito de ao mesmo tempo reconhecer o impacto do filme do diretor Todd Phillips (indicado), incluir uma história de quadrinhos e/ou super-heróis na lista para evitar acusações de preconceito contra esse segmento, e esquivar-se da controvérsia (exagerada) que cerca o filme. O Irlandês, Era Uma Vez em… Hollywood e 1917 vêm logo na cola de Coringa com dez indicações cada. Entre eles, porém, só o 1917 do inglês Sam Mendes tem chances reais (e, de novo, muito merecidas) de emplacar a dupla vitória filme-diretor. Se levar mesmo melhor filme, porém, será o primeiro desde Quem Quer Ser um Milionário?, de 2008, a papar o prêmio principal sem ter nenhuma indicação nas categorias dramáticas. Isso porque George MacKay, fantástico como o jovem soldado que conduz de cabo a rabo as duas sequências ininterruptas que constituem todas a ação de 1917, foi… adivinhe: esnobado. Em tempo, recomenda-se alguma cautela à torcida em torno de Democracia em Vertigem: praticamente imbatíveis na categoria de documentário em longa-metragem este ano são For Sama e Honeyland.