É populoso o pódio das atividades mais afetadas pela Covid-19: o transporte aéreo, os restaurantes e hotéis, setores da indústria e do comércio — e certamente a cultura. Dentro dela, o cinema definha da produção à exibição. Os grandes estúdios de Hollywood têm caixa para suportar a paralisação e transferir seus principais lançamentos para o fim deste ano ou 2021; o restante do setor, porém, luta para afugentar o fantasma da falência. Desse panorama de angústia, ideias têm brotado. Em vários países começam a reviver os nostálgicos drive-ins dos anos 50, e espaços como o paulistano Memorial da América Latina recebem motoristas para uma sessão segura. Bem mais amplo é o alcance de uma iniciativa das distribuidoras brasileiras do circuito alternativo ou de arte: sozinhas ou em consórcios, elas vêm fazendo seu catálogo circular em recém-criadas plataformas de streaming que são verdadeiros festivais de cinema.
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Com a sacudida nos hábitos promovida pela pandemia, também Netflix, Amazon e Globoplay — que formou uma parceria com a distribuidora de arte Imovision — reforçaram a presença de filmes clássicos ou “de nicho”. Mas sites ou aplicativos como o do Belas Artes à la Carte, Mubi e Cinema Virtual são bem diferentes: o acervo é pequeno, mas é coeso e escolhido a dedo. Entre os títulos inéditos em estreia contam-se o fortíssimo polonês Corpus Christi, o búlgaro O Pai, da dupla de cineastas que assinou os premiados A Lição e Glory, o sérvio A Carga (este, numa parceria do Mubi com o festival Olhar de Cinema) ou ainda o terror psicológico inglês Até que Você Me Ame. Filmes recentes que tiveram exibição restrita são outro forte. É o caso do excelente macedônio Deus É Mulher e Seu Nome É Petúnia ou do curioso francês O Professor Substituto, este oferecido na versão virtual do Festival de Cinema Varilux.
A maior graça dessas plataformas, entretanto, está na possibilidade de topar com títulos que, por uma razão ou outra, foram caindo pelas frestas da distribuição no Brasil e assim se tornaram raridade. No Mubi e em especial no Belas à la Carte, a seleção é atordoante. Inclui desde clássicos do tipo que cinéfilos descrevem como “indispensáveis” até itens recentes premiados em festivais internacionais. O deleite, porém, está nos tesouros tirados do fundo do baú — filmes nem tão antigos assim, ou que não necessariamente são de primeira grandeza, mas que provocam aquela sensação boa de descoberta. Pode ser Peter O’Toole no papel de um náufrago obcecado por um submarino alemão (Seu Último Combate, 1971), ou um exercício desajeitado de iniciante da diretora Kathryn Bigelow (Quando Chega a Escuridão, 1987). Pode ser, talvez, a estranha saga medieval Navigator, uma Odisseia no Tempo (1988), ou quem sabe o formidável Vá e Veja (1985), do russo Elem Klimov, sobre a invasão nazista à Bielorrússia. A lista não é infinita, claro. Mas é longa o bastante para divertir espectadores curiosos durante semanas ou meses a fio, até que as salas de cinema concluam que cara terá essa criatura tão elusiva chamada “o novo normal”.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691
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