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‘Ozark’: 3ª temporada confirma o talento múltiplo de Jason Bateman

Ex-astro juvenil se reinventou como produtor, diretor e ator. Na nova fase da série da Netflix, cede seu protagonismo a um forte elenco feminino

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 15h02 - Publicado em 10 abr 2020, 06h00

Não foi por deliberação, mas para sobreviver ao minuto seguinte, que o consultor financeiro Marty Byrde (Jason Bateman) mergulhou no mundo do crime: ao ver seu sócio ir parar dentro de um barril de ácido por roubar um cartel de drogas, Marty prometeu aos chefões do narcotráfico que lavaria fortunas se o deixassem mudar-se com a mulher e os filhos para um rincão caipira a fim de explorar possibilidades de negócios ainda intocadas. Essa premissa, a do pai de família que troca a normalidade pela criminalidade, rendeu a Ozark a fama de “o Break­ing Bad da Netflix”. A comparação, porém, não se sustenta: se o professor de química Walter White descobria a embriaguez da onipotência e da violência depois de toda uma vida sentindo-se inferiorizado, Ozark é uma história da refrega diária e de como os Byrde e os personagens que vão entrando em sua órbita têm de se acomodar uns aos outros. É, por assim dizer, uma história de submissão do ego — especialidade de Bateman não só como ator (sua exasperação resignada foi a âncora da cultuada Arrested Develop­ment), mas na sua ainda insuficientemente apreciada carreira como produtor e diretor. Se Ozark é tão consistente e também transgressiva, é porque Bateman cuida muito de perto para que seja assim: nesta terceira temporada, que acaba de estrear, os personagens masculinos, a começar pelo próprio Marty, são demovidos para o segundo plano em favor de um punhado de mulheres que, embora bastante diferentes entre si, se descobrem todas irredutíveis em seus propósitos.

Não só as personagens femininas tomam a dianteira do enredo, como as atrizes que as interpretam formam o conjunto mais forte de qualquer série em cartaz. Como Wendy, a mulher infiel de Marty que encontra uma capacidade notável de se adiantar às circunstâncias, Laura Linney foi sempre formidável. Nesta nova leva, entretanto, Bateman e os roteiristas propõem a ela alguns dilemas impossíveis, desde os atritos persistentes com a tenebrosa advogada do cartel, interpretada por Janet McTeer, até o sobressalto constante que é a presença de seu irmão bipolar, Ben (Tom Pelphrey). Também Julia Garner brilhou em cena desde o primeiro instante no papel de Ruth, a jovem delinquente que Marty abriga sob sua asa — mas, agora, é de deixar todo mundo com o coração na boca o enfrentamento da diminuta Ruth com um herdeiro mafioso. Lisa Emery, a assustadora Darlene, protagoniza cenas que poucas atrizes teriam coragem de encarar, enquanto Jessica Frances Dukes, que faz uma agente federal muito grávida, se engaja com Bateman no jogo que ele joga melhor — o humor seco como papel, e que corta tão fino e fundo quanto ele também.

Ex-astro juvenil, ex-mais jovem integrante da guilda americana de diretores (entrou nela aos 18 anos) e ex-alcoólatra e dependente químico que a certa altura viu sua carreira virar pó, Bateman se reergueu graças a Arrested Development, e agarrou a segunda chance com disciplina férrea. Em Ozark, teve atuação preponderante na escolha do elenco, repleto de atores cronicamente subestimados, e também na concepção visual e no tom narrativo. É sua a direção de alguns dos episódios mais notáveis — e o mesmo se pode dizer dos dois episódios iniciais de The Outsider, da HBO, outra série em que ele assumiu a função de organizador-mor. Com a nova temporada de Ozark, porém, Bateman se gradua na melhor definição possível de um produtor: alguém que mobiliza recursos não para contar suas histórias, mas as de outros. Ou, neste caso, de outras.

Publicado em VEJA de 15 de abril de 2020, edição nº 2682

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