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Isabela Boscov

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No excelente “Rede de Ódio”, da Netflix, um inquietante mundo novo

O diretor Jan Komasa perturba com a história de um rapaz que faz do ressentimento – o seu e o que ele fomenta – uma vocação e a nova regra do jogo

Por Isabela Boscov Atualizado em 5 ago 2020, 20h22 - Publicado em 5 ago 2020, 20h15
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  • Tomasz (Maciej Musalowski) acaba de ser expulso da universidade por ter plagiado um trabalho. Mas, na visita aos Krasuck, a família muito rica que paga suas mensalidades, ele não apenas omite esse fato, como conta lorotas sobre sua adaptação ao curso. Insiste, ainda, em chamar o casal de “tio” e “tia”, como fazia na infância, quando eles alugavam a fazenda de seu pai nas férias – a familiaridade excessiva os constrange visivelmente –, e deixa entrever que sabe mais sobre a vida da filha, Gabi (Vanessa Aleksander), do que seria normal para alguém que tem tão pouco contato com ela. Na saída, finge esquecer o celular e o deixa gravando, para saber o que falaram dele na sua ausência (“esquisito” e “perturbador”, dizem eles, com razão, mas também com um desdém e uma zombaria que imediatamente os diminuem aos olhos do espectador). Tomasz, deduz-se pelas conversas, veio de uma família pobre, provinciana e disfuncional. Ele cobiça a vida dos Krasuck e cobiça sobretudo Gabi; está determinado a se insinuar no círculo deles. Para tanto, porém, precisa de algum dinheiro e de oportunidade, ambos conquistados por meio de sua vocação natural para o ressentimento. Em uma agência de relações-públicas que é, na verdade, um gabinete de ódio que clientes contratam para destruir concorrentes, ele floresce: tem o talento inato para trolar, desinformar, mentir, arruinar reputações, fomentar rancores. Tomasz adora o emprego, no qual vai muito além do que o dever exigiria. É um prazer para ele fingir que trabalha por um candidato liberal, amigo dos também eles muito liberais Krasuck, e ao mesmo tempo deflagar campanhas homofóbicas, racistas e nacionalistas contra ele nas redes – e, a partir de certo momento, não só nelas. Só posso imaginar quantos Tomasz estão espalhados pelo mundo neste momento, dando o pior de si, como profissionais ou como amadores.

    Rede de Ódio
    (Netflix/Divulgação)

    A escalada de influência de Tomasz não é inteiramente plausível, mas esse é um detalhe menor. Além da interpretação escorregadia de Maciej Musalowski, o mais fascinante em Rede de Ódio, para mim, foi quantas vezes ponderei o quão humilhante era a condescendência dos Krasuck com Tomasz, e o quão amarga pode ser essa sensação de querer outra vida mas estar barrado dela por uma fronteira intransponível. Em resumo, várias vezes compreendi as razões de Tomasz, e então me repugnei com as respostas desprezíveis que ele deu a elas. Isso é o que torna o filme do diretor polonês Jan Komasa tão engajador, enfim – sua anatomia de como as redes aceleraram a exploração política mais abjeta de queixas válidas e de temores reais ou forjados, e como normalizaram a manifestação da baixeza. Komasa está com o dedo no pulso da Polônia e do mundo atual, captando todas as vibrações; é dele também outro filme extraordinário e imensamente perturbador que acaba de chegar ao on-demand, Corpus Christi, que olha por um ângulo inusitado – o de um ex-presidiário que se passa por padre, e acredita verdadeiramente ser um emissário espiritual – essa mesma questão essencial de Rede de Ódio, a da colisão entre as pessoas que fazem as regras e as pessoas que sentem ter sido postas de fora do jogo.

    Rede de Ódio
    (Netflix/Divulgação)

    Em Rede do Ódio, Komasa volta a abarcar a outra variável da equação. Ele não poupa também o liberalismo deslumbrado dos Krasuck e a sua certeza de que são “melhores”; com a sua crueldade casual e os olhos pregados no próprio umbigo, eles são agentes por omissão, no mínimo, dessa deterioração do ambiente político e da convivência social. Mas, da mesma forma, Komasa se solidariza com eles quando, depois de ver uma manifestação virar batalha contra segmentos raivosos da nova direita, eles percebem como seu país está indo para o vinagre e choram. É de chorar mesmo. E é principalmente de assustar.

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    P.S.: Sempre fortíssimo, o cinema polonês mostra sua excelência também em Supernova, que estreou há pouco no on-demand e aborda esse fermentação social por outra beirada muito diversa e igualmente interessante. Para quem não tem medo de se inquietar até o ponto da taquicardia, sugiro ver todos – Rede de Ódio, Corpus Christi e Supernova – em trinca.


    Trailer

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    https://youtu.be/8vtU1Oikx84

    REDE DE ÓDIO
    (The Hater)
    Polônia, 2020
    Direção: Jan Komasa
    Com Maciej Musalowski, Danuta Stenka, Vanessa Aleksander, Jacek Koman, Maciej Stuhr, Agata Kulesza
    Onde: na Netflix

     

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