Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Safra boa: 7 filmaços que acabam de entrar na Netflix

Clássicos modernos, o primeiro grande acerto da DC Comics e uma delícia pop estão entre os reforços do acervo neste mês

Por Isabela Boscov 4 jul 2020, 20h00

Encontros e Desencontros

Em um bar do hotel Park Hyatt de Tóquio, o astro decadente Bob Harris toma um uísque solitário, ouve uma cantora torturar Scarborough Fair, de Simon & Garfunkel, e pensa que, mesmo quando já se está no fundo do poço, sempre é possível cavar mais um pouco. Num quarto do mesmo hotel, a jovem Charlotte, sentada no parapeito da janela, olha a cidade e não vê nenhum caminho que possa tirá-la da encruzilhada em que está. Não que Bob ou Charlotte ponham esses pensamentos em palavras: uma das razões pelas quais Encontros e Desencontros não raro se aproxima do sublime é que a diretora Sofia Coppola confia na sua força e na de seus atores – Bill Murray e Scarlett Johansson – na mesma medida em que desconfia da capacidade dos diálogos para exprimir os ânimos intangíveis que seus personagens estão atravessando: casamentos e carreiras que não estão indo nem vindo, o deslocamento geográfico, a comunicação truncada entre pessoas vindas de idiomas e culturas que carecem de pontos de contato. Sofia trata, principalmente, daquele espaço que, num relacionamento, fica entre a amizade e o amor e pode trazer todas as perdas e ganhos de ambos. Em Tóquio para gravar um comercial, Bob Harris se defronta de forma inescapável com seu declínio e sua crise de meia-idade. Charlotte é bem mais nova, mas enfrenta desorientação semelhante. Não sabe com o que trabalhar e não sabe mais quem é seu marido, um fotógrafo que foge dela em todas as oportunidades possíveis. A princípio, é isso que une Bob e Charlotte: o fato de estarem perdidos. Depois, a sensação de que, mais do que colidir casualmente, eles se encontraram um ao outro, numa paixão que não diz seu nome nem oferece a segurança de uma consumação.

Encontros e Desencontros
Lost in Translation, 2003 (Universal/Divulgação)

Elizabeth

Quem está atrás de uma dramatização perspicaz e historicamente fluente do reinado da formidável Elizabeth I faz melhor em bater em outra porta – por exemplo, a minissérie de 2005 Elizabeth I, protagonizada por Helen Mirren. Como disse o New York Times à época, este filme é a versão Vogue da história: a cabeça do diretor Shekhar Kapur está  nas jóias e nos figurinos deslumbrantes, nas locações sensacionais, nas terríveis rivalidades fraternas e nos romances arrebatadores. Tudo aquilo que fez a filha de Henrique VIII com Ana Bolena capaz de transformar um reino falido e dividido na maior potência mundial do seu tempo fica em segundo plano – a argúcia política, o tino para as dubiedades da diplomacia, o espírito invencível, a visão modernizante, a compreensão do soft power que a arte e a cultura representam. O que não quer dizer que, além do visual, o filme não tenha outros prazeres, sendo o maior deles o desempenho poderoso e luminoso da então iniciante Cate Blanchett. Em tempo: fuja também do recente Duas Rainhas, com Margot Robbie e Saoirse Ronan, que quando não está distorcendo a história a está mutilando.

Elizabeth
Elizabeth, 1998 (Universal/Divulgação)

A Lista de Schindler

Steven Spielberg tira de um episódio da história real – então ainda pouco conhecido – o tema do homem bom que, para não apenas para fazer o bem como também para sobreviver, tem de se passar por um homem mau. É verdade que Oskar Schindler (Liam Neeson), industrial alemão com ótimas conexões com nazistas graduados, não tinha a melhor das intenções quando começou a arregimentar judeus para trabalho escravo em suas fábricas. Mas o que viu nos campos de concentração onde ia procurar seus operários o horrorizou ao ponto de ele arriscar a própria pele e usar o recrutamento como estratagema para salvar vidas – 1.200 delas. Em chave altamente dramática e em um belíssimo preto e branco, Spielberg reforça uma mensagem constante na sua obra, a da importância da consciência. No elenco, brilham também Ben Kingsley e sobretudo Ralph Fiennes, em começo de carreira no cinema, como um enregelante oficial nazista.

Continua após a publicidade
A Lista de Schindler
Schindler’s List, 1993 (Universal/Divulgação)

Em Ritmo de Fuga

O protagonista de Em Ritmo de Fuga mal saiu da adolescência e já é um habilíssimo motorista de carros de fuga, como demonstra a prodigiosa sequência sem cortes da abertura, tão cheia de manobras impossíveis (feitas na raça pelos dublês) que se reage a ela com exultação: Baby (Ansel Elgort) faz miséria ao volante sem nem tirar os fones nos quais ouve Bellbottoms, do The Jon Spencer Blues Explosion. A música, na verdade, é indispensável; Baby cronometra cada nova fuga com uma faixa específica para ela. Baby fala pouco, ouve música o tempo todo – são 43 canções listadas nos créditos – e fica na sua quanto pode. Mas não é fácil, considerando o tipo de companhia em que ele anda. Baby desgraçadamente entrou em dívida com Doc (Kevin Spacey), agenciador de roubos variados. Enquanto o rapaz não quitar a dívida, Doc não vai deixar barato. Aliás, talvez nem depois. Dirigido pelo inglês Edgar Wright, do indispensável Todo Mundo Quase Morto, este Em Ritmo de Fuga é uma bolha de sabão, com a história mais original, a direção mais inspirada, a seleção de músicas mais bacana e o protagonista mais irresistível que se possa imaginar. Ansel Elgort, que arrasou em A Culpa É das Estrelas, repete o feito aqui (infelizmente, ele anda meio mal no noticiário), em companhia de um punhado de ótimos atores cujo prazer em estar no filme é visível – além de Kevin Spacey, participam Jon Hamm, Jamie Foxx, Jon Bernthal, Lily James e outros que você nem conhece, mas que dão um show também (o pai surdo de Baby, a caixa da agência do correio, a senhora negra de quem Baby rouba um carro). Duas horas de felicidade perfeita.

Em Ritmo de Fuga
Baby Driver, 2017 (Sony/Divulgação)

Sniper Americano

Recriando a trajetória de Chris Kyle (Bradley Cooper), atirador de precisão com 160 mortes confirmadas na Guerra do Iraque, Clint Eastwood encara de frente o peso da responsabilidade individual: a solidão de um sniper é verdadeira, a consequência de suas decisões é inalterável e a intimidade com o alvo em sua mira não tem paralelo nas outras situações de combate. A tração sobre sua psique, portanto, é incalculável. Como disse o próprio Eastwood – ou seu personagem – em Os Imperdoáveis, “matar um homem é uma coisa infernal. É tirar dele tudo que ele tem, e tudo que jamais vai ter”. Matar 160 homens, ainda que em situação de necessidade imperativa e conforme as regras militares, é todos os nove círculos do inferno – ao qual Kyle se vê preso principalmente quando está de licença em casa, longe da ação da guerra, e percebe que perdeu quase por completo a capacidade de se comunicar com a mulher (Sienna Miller, muito bem) e com os filhos. 

Continua após a publicidade
Sniper Americano
American Sniper, 2014 (Warner/Divulgação)

Mulher-Maravilha

Que criatura tão estranha – um homem! – que cai de avião na sua ilha: salvo do afogamento pela amazona Diana Prince (Gal Gadot), o espião americano Steve Trevor (Chris Pine) só precisa limpar o sal dos olhos para concluir que nunca viu mulher mais impressionante do que esta. E Diana instintivamente sabe que este é um exemplar masculino, digamos, especial. Em cem outros roteiros, Diana e Steve bateriam cabeça o filme inteiro antes de se descobrirem almas gêmeas. No roteiro dirigido por Patty Jenkins, não: Steve e Diana causam certa perplexidade um ao outro, mas acolhem a atração imediata – e fácil, calorosa, cheia de flerte e de expectativa. O que se tem, aqui, é romance entre um homem e uma mulher que se apreciam mutuamente e que, quando se descobrem muito diferentes, tendem a achar que a diferença é bem agradável. Este é o filme que a personagem merece: a ação é cheia de impacto e de personalidade, o humor e o drama vêm na medida certa e, pela primeira vez, um filme do DC-verso fluiu sem esforço e sem desafino. O mais positivo de todos os aspectos positivos: teria sido fácil ceder ao feminismo triunfalista – mas Mulher-Maravilha acredita com sinceridade (e com razão) que esse é o tipo de jogo que não leva a nada. O mundo em que Diana vai parar é de um machismo atroz? Ora, que os tolos fiquem com suas tolices: Diana acha que Steve é ótimo, e Steve acha que Diana é o máximo. Quando eles discordam, não é porque são homem e mulher – é porque têm opiniões diferentes. Juntos eles lutam melhor, divertem-se mais e salvam mais gente. Salvam inclusive o espectador – de discursos vazios, de cenas genéricas de destruição e de um desapontamento.

Mulher-Maravilha
Wonder Woman, 2017 (Warner/Divulgação)

Minority Report

Em 2054, a unidade policial intitulada Pré-Crime, chefiada por John Anderton (Tom Cruise), completa seis anos de testes bem-sucedidos. Partindo das antevisões de três mutantes paranormais chamados precogs, os policiais sabem quais homicídios serão cometidos, por quem e contra quem. Como combate à violência, é um avanço sem precedentes. Mas, em nome da segurança, é preciso abrir mão da privacidade e da liberdade em níveis estarrecedores. Todos os cidadãos estão sujeitos a scans de retina a cada passo, os outdoors mandam mensagens personalizadas aos passantes, as lojas cumprimentam os fregueses pelo nome, os carros sabem quem os está dirigindo e, quando uma regra é violada, conduzem o motorista à polícia. Mais assustador ainda é o fato de o Estado se outorgar o direito de prender uma pessoa e neutralizá-la intelectualmente sem que ela tenha, de fato, cometido seu crime. Todo o sistema depende de um único ponto: a infalibilidade dos precogs. É para verificá-la que o ex-seminarista e burocrata obstinado Witwer (Colin Farrell) é enviado à divisão. Anderton tem de vigiá-lo, e ele tem de vigiar Anderton – tarefa que ganha força de lei quando os precogs têm uma visão na qual o próprio chefe do Pré-Crime aparece assassinando um homem que ele nem ao menos conhece. Anderton passa, então, a ser o alvo do sistema que ele engendrou e no qual sempre confiou de forma absoluta. Nos primeiros 100 de seus 145 minutos, Minority Report é uma ficção científica brilhante. Steven Spielberg dosa com parcimônia os efeitos digitais e, quando os usa, o faz de forma arrasadora. No mais das vezes, os efeitos simplesmente se confundem com o tecido do filme, em cujo centro está o que se pode chamar de um certo mal-estar da civilização, tão mais assustador por ter suas raízes já bem fincadas no presente.

Minority Report
Minority Report, 2002 (Fox/Divulgação)
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.