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Isabela Boscov

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“The Americans”: do bom ao superlativo em seis temporadas

Últimos episódios consagram a produção do canal FX como uma das grandes séries de todos os tempos

Por Isabela Boscov Atualizado em 2 jul 2018, 19h31 - Publicado em 2 jul 2018, 19h27

Finalmente terminei de ver a temporada final de The Americans (disponível no NOW e Fox Premium), sobre a qual vários leitores me cobraram, e fiquei no chão. Absolutamente arrasada – e, neste caso, esse é o maior elogio que eu poderia fazer. Quando comecei a ver The Americans, em 2013, fui fisgada pelo fascínio da vida dupla dos personagens e pela sensação de estar atrás do espelho: depois de incontáveis filmes e séries em que se vê o lado ocidental da espionagem na Guerra Fria, era intrigante adentrar o lado de lá, o do bloco comunista, na história de Elizabeth e Philip Jennings (Keri Russell e Matthew Rhys), um perfeito casal americano de classe média com uma filha e um filho, que toca uma pequena agência de viagens e mora nos subúrbios de Washington – mas que são, na verdade, Nadedzha e Mikhail, agentes soviéticos treinados desde tenra idade, casados pela KGB (eles apenas se toleram) e plantados nos Estados Unidos para se mover atrás dessa fachada banal em missões variadas.

The Americans
(FX/Divulgação)

A série apanha os Jennings no início dos anos 80, quando o republicano Ronald Reagan assumiu a Presidência e instaurou uma nova onda de patriotismo e entusiasmo econômico – e quando o agente do FBI Stan Beeman (Noah Emmerich) se muda com a mulher e o filho para a casa em frente à deles. O novo vizinho aterroriza o casal Jennings: será ele indício de que sua fachada está prestes a ruir? Não, não é. Trata-se de mera coincidência. Mas, sim, Beeman está envolvido na investigação de casos que têm ligação com os Jennings, e é preciso “cultivá-lo”, de forma que os falsos americanos começam uma amizade com o agente – amizade que será sempre falsa, mas em dado momento se torna, ao mesmo tempo, verdadeira, em especial para Philip (e vale anotar que Matthew Rhys é o grande e incontestável destaque do elenco).

The Americans
(FX/Divulgação)

Muito da primeira temporada é dedicado a habituar o público aos métodos peculiares da espionagem soviética. Tanto Elizabeth quanto Philip matam sem pensar duas vezes quando acham necessário. E ambos usam corriqueiramente o sexo como forma de aliciar fontes ou explorá-las sem que elas saibam estarem sendo exploradas. Philip chega a se casar com outra mulher, a secretária do FBI Martha (Alison Wright) – com pleno conhecimento e, durante muito tempo, indiferença de Elizabeth. E é aí que as coisas começaram a ficar realmente interessantes em The Americans: quando, tendo gratificado a curiosidade do público pelos aspectos procedurais da espionagem, a série passa a se concentrar, com força, no impacto que o trabalho e a ideologia exercem sobre o casal e sobre as pessoas que entram na órbita deles. A partir dessa transição – muito discreta e muito benfeita –, The Americans se torna uma série excepcional, e frequentemente devastadora para as emoções dos personagens e também do espectador.

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The Americans
(FX/Divulgação)

As espiadelas no passado de Elizabeth e Philip, quando eles ainda eram Nadedzha e Mikhail, são esparsas e vêm muito aos poucos. Ambos foram crianças miseráveis – ele em especial –, e aceitaram o fardo da espionagem ainda tão jovens que dificilmente se poderia chamar essa opção de uma escolha. Mas Elizabeth é a “true believer” aqui, o soldado leal e dedicado acima de todas as coisas à causa soviética. Já Philip – Philip é um cumpridor competente das suas obrigações. Mas tem arrependimentos que o dilaceram, temores sobre o preço que será cobrado dos filhos, culpa pelas pessoas que ele destrói e dúvidas muito lúcidas acerca da versão da história que a Rússia vende a ele. Em dado momento, Philip não consegue mais simplesmente acreditar. E esse momento, em que ele começa a manifestar emoções e racionalizações que nunca antes compartilhara com Elizabeth, é o momento em que ela se apaixona por ele (ele já andava meio caído por ela), e em que tudo que já era muito complicado fica extraordinariamente complexo.

The Americans
(FX/Divulgação)

Ponho The Americans no rol das grandes séries de todos os tempos, no patamar de The Wire, Família Soprano, Mad Men e Breaking Bad. Todas são séries que vão muito fundo no que os personagens fazem para entender quem eles são. Todas, também, ganham muito da sua textura e da sua riqueza na maneira como seguem os coadjuvantes com o mesmo afinco que dedicam aos protagonistas. Em The Americans, não só Elizabeth, Philip e Stan são pessoas vivas, que pegam o espectador no seu empuxo e o arrastam. Há Martha, a secretária com quem Philip se casa, e que é uma figura trágica. Há Oleg Burov (Costa Ronin), filho de ministro e playboy da Rezidentura soviética em Washington, para quem os roteiristas preparam pouco a pouco um massacre emocional. Há Nina (Annet Mahendru), jovem e desesperada secretária da Rezidentura, que tenta se salvar mergulhando em águas fundas demais para ela. Há Gabriel (Frank Langella), o compassivo operador dos Jennings, que a certa altura será substituído pela implacável Claudia (Margot Martindale) – e pelo menos mais umas duas dezenas de personagens com os quais o espectador cria laços difíceis de romper. Por isso, quando o episódio final terminou, continuei sofrendo por eles: a série se encerrou, mas os problemas de Elizabeth, Philip e tantos outros, não. Na verdade, toda uma nova leva deles estava só começando.

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Obs.: a preocupação do criador Joseph Weisberg (de Damages) e do produtor Graham Yost (de Pacific, From the Earth to the Moon e Justified) com a autenticidade é tão grande que todos os personagens soviéticos – até um menininho que aparece na quinta e sexta temporadas e nem tem falas – são interpretados por atores nascidos em algum país da União Soviética ou descendentes de primeira geração. E olhe que são centenas deles – mesmo – ao longo das seis temporadas. Não creio que tenha visto algo similar em qualquer filme ou série.

 

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