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Isabela Boscov

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Na 4ª temporada, “The Last Kingdom” continua a maratona perfeita

Não é por acaso que, aos poucos, foi virando mania a série da Netflix sobre os confrontos entre vikings e saxões na Inglaterra dos séculos 9 e 10

Por Isabela Boscov Atualizado em 21 Maio 2020, 17h01 - Publicado em 20 Maio 2020, 20h40
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  • “Um mundo estranho e não raro melancólico” é como o escritor Bernard Cornwell descreveu aquilo que encontrou, décadas atrás, ao se interessar pela longínqua poesia saxônica – e, sendo Cornwell um grande recriador de mundos passados (sua série Sharpe, sobre as Guerras Napoleônicas, é uma delícia), ele resolveu dedicar uma série de treze livros a esse período violento, inseguro e repleto de encontros com o desconhecido que revolucionou as Ilhas Britânicas nos séculos 9 e 10: o período em que a Inglaterra, antes um punhado de reinos diversos e muitas vezes rivais, afinal terminou por se tornar uma nação. Os livros são viciantes, e The Last Kingdom, a série da Netflix de que eles são adaptados, também pode causar séria dependência. Um desses casamentos felizes entre ficção envolvente e história pesquisada e recriada com qualidade, The Last Kingdom já vai pela quarta temporada acompanhando as aventuras e desventuras de Uhtred de Bebbanburg, um herdeiro saxão traído pelo tio canalha, salvo da morte por dinamarqueses, criado como filho adotivo do rei viking Ragnar e então tornado um grande guerreiro que sofre com sua dupla lealdade – aos vikings com que ele se identifica e que não paravam de invadir a Inglaterra e ao rei saxão Alfred de Wessex, primeiro a visualizar o sonho de um país costurado a partir dos reinos dispersos.

    The Last Kingdom
    (Netflix/Divulgação)

    Nesta quarta temporada, Alfred, o rei inteligente, ardiloso e meio deprimido que David Dawson interpretou de maneira arrebatadora não está mais em cena. Morreu sem ver seu sonho realizado, e seu filho Edward (Timothy Innes) é quem ocupa o trono agora, com menos brilho do que o pai e com ainda mais problemas que ele: em vez de se unirem, os quatro reinos principais – Wessex, Mercia, Northumbria e East Anglia – estão ainda mais divididos pelas suas hostilidades fronteiriças (o País de Gales era um inimigo feroz) e pela pressão das invasões dos “bárbaros” vikings (os saxões, por serem cristãos, achavam-se menos bárbaros, mas estavam sendo bondosos consigo mesmos). As intrigas palacianas ficam cada vez mais emaranhadas, as crises se sucedem e as batalhas explodem sem parar – a Batalha de Tettenhall, no quarto episódio, é um estrondo e é também de uma tensão terrível, com decisões estratégicas surpreendentes tomadas no momento, no fio da navalha. Quase corre sangue também entre Edward e sua irmã Aethelflaed (Millie Brady), rainha de Mercia, que brilha na batalha e o faz passar por indeciso e indiferente. Há dúvidas se eles se estranharam mesmo, mas é fato que, depois de Tettenhall, Aethelflaed e Edward colaboraram militarmente em várias ocasiões com muito sucesso. Curiosamente, Uhtred, interpretado pelo anglo-alemão Alexander Dreymon, é um personagem fictício. É inspirado em dois Uhtreds famosos, um do século 10 (Uhtred de Derbyshire) e outro do século 11 (Uhtred de Northumbria), mas Cornwell o criou para ser o fio condutor de um história que, de outra forma, poderia resultar dispersa, e porque – isso é genial – ele é descendente do Uhtred de Northumbria; seu pai biológico, aliás, conservou até o sobrenome do antepassado, e chamava-se William Outhred.

    The Last Kingdom
    (Netflix/Divulgação)

    Esse talvez seja o aspecto mais bacana de The Last Kingdom: às vezes tudo parece tão fantástico que, para virar Game of Thrones, só faltariam os dragões. Mas é melhor ainda justamente por isso, por faltarem os dragões; à parte um ou outro detalhe que se desvia da crônica histórica em prol da trama e da excitação, é mais ou menos assim que tudo se passou mesmo. The Last Kigdom começou no History Channel com uma produção correta porém muito modesta. Desde que foi encampada pela Netflix, ganhou mais orçamento e ficou mais opulenta, mas não perdeu a atenção à fidelidade e à minúcia – os castelos acanhados, os vilarejos enlameados, as roupas rústicas e, por outro lado, o monte de trabalho que ia no figurino, barba e cabelo dos guerreiros vikings para que eles parecessem assustadores (com pleno sucesso) são detalhes autênticos. Há um ou outro personagem cansativo – não aguento mais a cara azeda da viking vingativa Brida (Emily Cox) –, mas na maioria eles são um atrativo à parte, do próprio Uhtred ao frade Beocca (o maravilhoso Ian Hart), do rei Alfred a Aldhelm (James Northcote), o fiel escudeiro da rainha Aethelflaed (os nomes saxônicos são uma maravilha, aliás). É uma história eletrizante, dramática, violenta e às vezes poética do nascimento de uma nação por meio de atos de vontade, de assimilação e de incorporação, e de guerra e negociação. Para minha felicidade ser completa, só faltaria agora alguém transformar em série a outra grande guerra dos tronos inglesa – a Guerra das Rosas de 1455-1485, que está prontinha para ser adaptada em uma série de quatro livros também eles muito bem pesquisados de Conn Iggulden.

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