John Ronald Reuel Tolkien, ou o J.R.R. Tolkien, como assinava, passou à lembrança como o modelo do professor pacato e distraído: fumando seu cachimbo, perdia-se nos sons distantes das línguas nórdicas e do inglês arcaico e travava discussões filosóficas com o amigo C.S. Lewis (este, o autor de As Crônicas de Nárnia) durante longas caminhadas pelos campos e bosques próximos a Oxford, em cuja universidade estudou e trabalhava. Era casado com sua paixão de adolescência, Edith Bratt, tinha quatro filhos e foi contando histórias a eles que criou primeiro O Hobbit (publicado em 1937) e depois O Senhor dos Anéis (editado em três volumes entre 1954 e 1955). De onde, então, teria saído a fantasia tão vasta e minuciosamente detalhada da sua célebre trilogia? E, sobretudo, de onde vinham a urgência emocional e a sensação de proximidade do abismo que tornaram O Senhor dos Anéis um dos livros mais influentes do último século, e fizeram milhões de leitores responderem a ele de maneira tão apaixonada e visceral? Pois esse mundo pastoral e sereno em que o autor passou a sua maturidade foi algo que ele moldou deliberadamente e com dedicação, como um refúgio da vida periclitante e frequentemente traumática a que esteve sujeito desde a infância até a juventude. E, como argumenta Tolkien, a cinebiografia que está nos cinemas, O Hobbit e principalmente O Senhor dos Anéis foram uma parte indispensável do expurgo dessas experiências, da transformação delas em algo a que ele pudesse dar sentido e da construção da Terra Média como uma realidade alternativa, digamos assim – uma realidade em que ameaça, medo e sacrifício são terrivelmente presentes, sim, mas podem afinal ser derrotados.
Interpretado pelo ótimo Harry Gilby na adolescência e por Nicholas Hoult de forma encantadora na juventude, Tolkien é aqui acompanhado desde os 12 anos – quando, órfão de pai desde os 3 anos, perdeu também a mãe – até o momento em que, já casado e pai, começou a conceber O Hobbit. Cada uma das várias tragédias de sua vida é de alguma maneira tornada suportável por uma ou outra nota de graça encontrada pelo caminho: a mãe se foi, mas não o entusiasmo que ela incutiu nos filhos pela fantasia e pela narrativa; a pobreza virou uma sombra sempre à espreita, mas o apoio do seu guardião, o padre Francis (Colm Meaney), nunca falhou; o idílio da vida no campo ficou para trás, mas em Birmingham estava Edith (Lily Collins, excelente no papel); a escola foi de uma solidão cruel, até ele conhecer os três meninos que se tornariam seus amigos inseparáveis; o combate nas trincheiras medonhas da I Guerra Mundial foi um trauma que nunca o deixou, mas desse inferno saiu a inspiração maior para a sua obra. Tolkien é um filme cheio de reverência pelo seu personagem – demais, às vezes –, e é também estritamente convencional na maneira como segue os compassos de praxe das cinebiografias. Mas é também bonito e, às vezes, muito comovente. E, na direção do finlandês Dome Karukoski, argumenta com delicadeza a importância das experiências formativas do autor na sua obra – e também a importância formativa desta na experiência dos leitores.
Trailer
TOLKIEN Estados Unidos, 2019 Direção: Dome Karukoski Com Nicholas Hoult, Harry Gilby, Lily Collins, Colm Meaney, Laura Donnelly, Patrick Gibson, Anthony Boyle, Tom Glynn-Carney, Craig Roberts, Derek Jacobi Distribuição: Fox |