Bryan Cranston faz uma figura única da velha Hollywood
Na década de 30, quando o roteirista (e grande figura) Dalton Trumbo começou a trabalhar em Hollywood, essa era uma tarefa sem glória: os filmes eram rodados a toque de caixa, e os scripts tinham de sair da máquina de escrever mais rapidamente ainda – um atrás do outro, aos borbotões. Ainda assim, essa foi uma era de ouro do roteiro, graças ao influxo de escritores, diretores e gente de talento graúdo que ia ganhar uns cobres no cinema, ou que estava fugindo do avanço do fascismo e do nazismo na Europa. E essa foi justamente a turma que entrou direto na mira do Comitê Parlamentar de Atividades Anti-Americanas quando a Guerra Fria começou a esquentar: muitos eram socialistas ou comunistas, uns tantos eram simpatizantes, outros estavam distraídos – e foram todos investigados na histérica caça às bruxas promovida pelo comitê. Amigo de cigarros, de bebida e de respostas atravessadas, Trumbo teve um papel crucial nessa história – um papel tão genial, aliás, quanto seus melhores roteiros.
Em seu primeiro papel principal desde Breaking Bad, Bryan Cranston merecidamente concorre ao Oscar. Ele é uma maravilha como Trumbo: tem a verve, a personalidade colorida, as manias (como escrever na banheira), a rapidez de raciocínio e o senso de humor espirituoso do roteirista sem recorrer à imitação e, sobretudo, sem jamais se sobrepor ao personagem. A maestria do seu trabalho fica especialmente evidente na primeira parte do filme, a mais expositiva: dá para afirmar com razoável segurança que boa parte da plateia de hoje não sabe muito bem quem foi Dalton Trumbo e tem uma ideia apenas vaga das circunstâncias que levaram à sua perseguição e sua inclusão na “lista negra” dos profissionais proibidos de trabalhar em Hollywood – mas é imediata a sensação de intimidade que Cranston cria com o espectador. Trumbo provoca Hedda Hopper (Helen Mirren, um estouro), a temidíssima colunista social e paladina do anticomunismo; diverte-se com o amigo, o astro Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg, excelente de novo); atormenta com suas bravatas os colegas Ian McLellan Hunter (Alan Tudyk) e Arlen Hird (Louis C.K.); enrola o chefão do estúdio, Louis B. Mayer (Richard Portnow); tira uma da cara de John Wayne (David James Elliott) e o deixa espumando de raiva – e, graças à habilidade com que ressalta os traços mais marcantes de Trumbo sem pesar à mão, e graças também à boa condução do diretor Jay Roach, Cranston cria para a plateia, em questão de poucas cenas, a sensação de que ela sempre foi íntima de Trumbo.
Como filme, mesmo, Trumbo é bem mais divertido e instigante na sua segunda parte. Banido dos estúdios junto com um punhado de colegas (o grupo ficaria conhecido como “Os Dez de Hollywood”), Trumbo passa uma boa temporada na prisão e, ao sair, tem de se virar para fazer o que antes fazia com largueza: sustentar a família. Vai trabalhar para os irmãos King, dois produtores de última classe (John Goodman dá o seu banho de sempre como o mais vistoso dos irmãos), e, para dar conta das pilhas de roteiros que os King jogam em cima dele, bola uma cadeia de produção com seus colegas banidos. Escreve com nome inventado, assina com o nome alheio, põe a mulher e a filha mais velha (Diane Lane e Ellen Fanning) para cuidar das entregas “secretas”, faz e acontece. E, em pouco tempo, se dá conta de que está numa posição de vantagem para desmoralizar completamente as pessoas que o perseguiram: ele e os outros roteiristas listados estão não apenas trabalhando continuamente para os grandes estúdios de Hollywood graças a esses expedientes (e, portanto, os filmes que o público está vendo são em bom número criação de “subversivos”), como Trumbo topa com dois Oscar no meio desse percurso. Ganha um por A Princesa e o Plebeu (1953), que ele escreveu e o amigo Ian McLellan Hunter assinou. E ganha outro por Arenas Sangrentas (1956), que assinou com o nome inventado de Robert Rich. Não há nenhum Robert Rich para subir ao palco e receber o Oscar, claro – e, quando Kirk Douglas decide que vai mandar às favas o Comitê e seus apoiadores e dar a Trumbo o devido crédito por Spartacus, a farsa toda já está a um passo de se desfazer.
O diretor Jay Roach tem, ele próprio, uma trajetória curiosa: dirigiu os três Austin Powers e os dois Entrando numa Fria – mas também Recontagem, um filme muito bom da HBO sobre o fiasco das cédulas defeituosas que culminou com a eleição de George W. Bush; Os Candidatos, com Will Ferrell e Zack Galifianakis, que é ostensivamente uma comédia besteirol mas também uma sátira do processo eleitoral americano; e criou a série The Brink, com Jack Black e Tim Robbins, que, nessa mesma toada, ridiculariza as reações da Casa Branca e das Forças Armadas diante da ameaça de uma III Guerra Mundial. Trumbo: Lista Negra talvez seja o casamento mais afinado até aqui dessas duas veias de Jay Roach, a cômica e a política: é um filme que tem idéias firmes a propor sobre liberdade de expressão, mas que não resistiu – felizmente – a ser a comédia amalucada e cheia de troça em que se converte a certa altura.
Trailer
TRUMBO: LISTA NEGRA
(Trumbo)Continua após a publicidadeEstados Unidos, 2015
Direção: Jay Roach
Com Bryan Cranston, Michael Stuhlbarg, Helen Mirren, Louis C.K., Alan Tudyk, John Goodman, Diane Lane, Ellen Fanning, Madison Wolfe, Roger Bart, Adewale Akinnuoye-Agbaje
Distribuição: Califórnia