“Um Lugar Silencioso”: o apocalipse, aos sussurros, em casa
Terror dirigido por John Krasinski e estrelado por Emily Blunt é cinema B vigoroso e criativo, com ambição classe A
Tenho paixão por filmes com cenários apocalípticos e pós-apocalípticos, e venho assistindo com muito interesse à onda recente de produções em geral modestas, mas muito eficazes, que imaginam a vida após um cataclismo não com grandes efeitos especiais e paisagens devastadas, mas como se a espiassem por uma fresta da intimidade – o casal escondido em casa com um filho adolescente em Ao Cair da Noite, o sujeito sozinho que aduba a horta com os corpos das pessoas que se aproximam de sua cabana em The Survivalist, o rapaz e a garota que tentam fazer uma longa travessia esquivando-se da presença alienígena em Monster, o triângulo que se forma em Os Últimos na Terra quando Chris Pine se junta aos dois únicos outros sobreviventes, vividos por Chiwetel Ejiofor e – problemaço! – Margot Robbie. Agora, John Krasinski, o Jim de The Office, contribui como diretor para essa leva com um filme deveras interessante: em Um Lugar Silencioso, os poucos seres humanos que restam sobre a Terra têm de viver em silêncio absoluto; qualquer ruído atrai as criaturas vorazes que praticamente extinguiram a humanidade. No caso de Lee (o próprio Krasinski) e de sua mulher, Evelyn (Emily Blunt, casada com Krasinski na vida civil), essa compenetração é tanto mais difícil porque eles têm filhos pequenos, a quem é difícil controlar. Em outro aspecto, eles se adequaram mais facilmente às exigências desse novo mundo porque sua filha mais velha, Regan, é surda, e a linguagem de sinais já faz parte da vida deles (Millicent Simmonds, a atriz fabulosa que faz Regan, é de fato deficiente auditiva).
Um Lugar Silencioso, que ironia, tem produção do Michael Bay de Transformers, o cineasta mais barulhento de todos os tempos. O orçamento é modestíssimo para os padrões americanos: 17 milhões de dólares, que John Krasinski põe para render usando a imaginação para racionalizar a rotina desse pós-apocalipse, além de seu talento visual surpreendente. Abrigada numa casa de fazenda cercada de um milharal, quando quer ir atrás de provisões a família caminha para a cidade em cima das faixas de areia que Lee despeja sobre o chão, para abafar os passos. Comem com as mãos (talheres tilintam), usando folhas em vez de pratos (louça é danada para fazer barulho). As tábuas do piso têm marcas nos pontos em que se deve pisar nelas sem causar rangidos, e pais e filhos comunicam-se por libras, com legendas para que o espectador possa acompanhar os diálogos. Até a trilha do ótimo Marco Beltrami sussurra, apenas, na maior parte do tempo.
É poderoso o efeito dessa recriação de uma vida em silêncio completo: imagine não só não ouvir mais o som da sua própria voz e a das pessoas próximas, mas não poder dar um suspiro de cansaço, exclamar de susto, dar uma risada espontânea ou – tente fazer isso em casa – criar crianças e adolescentes sem gritos, protestos e portas batendo. Imagine, também, como seria ter de lidar com o mundo físico como se ele fosse um inimigo, pensando antes de dar um passo, manusear um objeto ou despejar água em um copo. Isso é o mais instigante dessa nova leva de filmes: o modo como, descendo aos pormenores da sobrevivência, eles encontram desafios inimagináveis à existência social humana nas trivialidades do dia a dia. Se uma hecatombe qualquer aniquilasse a humanidade, o provável é que os sobreviventes experimentassem seu rescaldo não num cenário como o de Mad Max, mas como a família de Lee e Evelyn: em solidão, com medo, sem nenhuma notícia do mundo à sua volta, improvisando maneiras de sobreviver e na dúvida de que há uma razão para continuar. Um Lugar Silencioso é o que há de mais sólido e recompensador no cinema B: em vez de dinheiro, usa a cabeça para realizar suas ambições classe A.
Trailer
UM LUGAR SILENCIOSO (A Quiet Place)
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Estados Unidos, 2018
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Distribuição: Paramount |