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Janela para Tóquio

Por Piti Koshimura Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Um olhar para o cotidiano da cidade olímpica
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‘Gambatte’ e a sociedade do cansaço

Comumente traduzido em filmes como "boa sorte", termo está mais para "faça o seu máximo". Em Tóquio, Simone Biles escancarou os perigos do lema

Por Piti Koshimura
Atualizado em 4 jun 2024, 13h17 - Publicado em 4 ago 2021, 10h13
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  • Gambare! Gambatte! — são essas as expressões em japonês usadas na hora de torcer por alguém. Muito presentes no dia a dia, aqui no Japão, os termos são flexões no imperativo do verbo gambaru e surgem em diversas situações na hora de oferecer apoio moral. Apesar de ser imbuído de boas intenções, porém, o verbo levanta uma discussão um tanto quanto problemática, resvalando nas expectativas e pressões sobre o indivíduo e a sociedade. 

    Comumente traduzido em filmes como “boa sorte”, gambatte pode ser entendido mais como “dê o melhor de si” ou “faça o seu máximo”. Se, antes de uma prova importante, desejamos a um amigo para que as boas energias do universo conspirem a seu favor, os japoneses esperam de seu interlocutor o nível máximo de dedicação, esforço e comprometimento. 

    Por um lado, quando a meta é atingida, seja ela conseguir um novo emprego ou conquistar uma medalha de ouro, os créditos da conquista são inquestionáveis. O mérito é totalmente daqueles que se prepararam, batalharam e se colocaram à prova. Além disso, como a tradutora e intérprete Anna Ligia Pozzeti (de quem sou uma grande fã) diz neste artigo, “de fato, em uma sociedade que enaltece tanto a disciplina e que já sofre com o acaso dos desastres naturais, contar com a sorte não parece ser uma boa opção”.

    Mas temos o outro lado da moeda — e ela não é nada bonita. Apoiar-se unicamente no próprio esforço para cumprir metas e alcançar objetivos pode ser o gatilho para um colapso físico, mental e emocional. Evitando chegar nesse ponto, ao desistir de competir em algumas finais, Simone Biles expôs a cobrança que cerca os atletas: “Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá [competir] e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”.

    Dependendo do contexto em que gambaru é utilizado, portanto, o verbo pode ser o gatilho para uma autocobrança ou frustração absurdas. Anna Ligia diz que a discussão acerca do termo chegou até no universo acadêmico, como nas pesquisas de Justin Charlebois, professor de Comunicação na Aichi Shukutoku University, no Japão. “Apesar de ter uma nuance de fazer o SEU melhor, respeitando os SEUS limites, para o autor, o Gambaru não enfatiza a individualidade das pessoas, mas reflete uma norma social de que é preciso se esforçar incansavelmente, para muito além do seu limite pessoal para alcançar seus objetivos e ter sucesso. Enquanto para quem fala a palavra pode parecer algo perfeitamente gentil a se dizer, para quem recebe, às vezes, pode soar como uma palavra vazia, sem empatia, parecendo que você não está fazendo o seu melhor por falta de dedicação ou disciplina”.

    Na corajosa atitude de Simone Biles, vimos a cultura do gambaru ser questionada. Claro que testar limites é importante, mas, mais ainda, é preservar o equilíbrio de espírito. Como diz o filósofo Byung-Chul Han em “Sociedade do Cansaço”: “o excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma”.

    Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)

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