Adversários, Bolsonaro e Fernández se unem na autocomplacência
Presidentes do Brasil e da Argentina mal se conhecem, se detestam, enfrentam graves crises domésticas que criaram, e se alinham no hábito da autoindulgência
Eles mal se conhecem e se detestam. Jair Bolsonaro não gosta de Alberto Fernández, presidente da Argentina, que cultiva aversão a Bolsonaro. E demonstram em público.
Líderes das duas maiores economias da América do Sul, atravessaram nos últimos dois anos se esforçando para implodir a principal obra de cooperação entre os dois países, o Mercosul. Ainda não conseguiram, porque não sabem o que colocar no lugar.
Nos últimos 16 meses, Bolsonaro e Fernández lidaram com a pandemia de maneira diferente, e chegaram ao mesmo lugar, aos tropeços, com grande desgaste expresso nas elevadas taxas de desaprovação dos governados.
Agora, por razões e em níveis diferentes, estão hipnotizados por aflições econômicas comuns na alta inflação e desemprego, na corrosão da renda e expansão da pobreza, e no declínio da produção e do consumo. Bolsonaro tem um ônus extra, a condicionante energética.
Na última semana, também por trilhas diferentes, se perderam em graves crises políticas domésticas, que eles mesmos criaram.
Bolsonaro vislumbrou o impeachment no confronto com o Judiciário, e se rendeu — o prazo de validade do recuo registrado por escrito é um enigma só desvendável com o tempo.
Fernández saiu das urnas, nas eleições primárias legislativas com voto obrigatório, dividindo com a vice Cristina Kirchner a maior derrota da história do peronismo. O fracasso rachou o governo e a sociedade política com a ex-presidente Kirchner.
Perderam no voto (31%) para a oposição liberal-conservadora (40%) liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri na maioria (75%) dos colégios eleitorais, incluindo Buenos Aires, onde se concentram quatro de cada dez eleitores argentinos. Acabaram despejados do controle eleitoral do interior, motor da histórica hegemonia peronista nas províncias agrícolas.
“Algo não fizemos bem”, consolou-se Fernández diante dos boletins de apuração. “Quem nunca errou?”, amenizou Bolsonaro, ao comentar os motivos da sua carta de rendição política. “Às vezes, custa caro para a gente”, acrescentou.
Adversários na política, os presidentes do Brasil e da Argentina têm mais afinidades na vida do que são capazes de admitir. Entre elas está a autocomplacência.