Aliança com Bolsonaro reduziu a confiança nas Forças Armadas
Pesquisa mostra que, nos 29 meses de governo com moldura militarista, a credibilidade pública nas instituições militares caiu doze pontos— de 70% para 58%
Dias atrás, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, fala na Câmara quando foi interpelado pelo deputado Tiago Mitraud, do Partido Novo de Minas Gerais:
— Ministro, eu tenho uma preocupação muito grande com, a meu ver, uma desmoralização das Forças Armadas que está acontecendo durante o governo Bolsonaro.
Braga Netto franziu a testa. O deputado prosseguiu: — É inegável que está havendo uma confusão, a meu ver proposital, do presidente, para confundir a população brasileira de que as Forças Armadas não são instituições de Estado, mas, sim, deste governo.
Acrescentou: — Nós vemos isso com o excesso de militares em cargos políticos do presidente, nós vemos isso em declarações recorrentes do presidente. É o conjunto da obra dessa simbiose provocada pelo presidente da República com as Forças Armadas, junto com essa troca repentina que houve há pouco tempo, que nos preocupa muito em relação à integridade das instituições brasileiras de Estado.
O ministro da Defesa retrucou: — Não vejo desmoralização alguma. Ao contrário, agora saiu uma pesquisa de um jornal, que eu não quero citar, mostrando que as Forças Armadas continuam com seu prestígio lá em cima.
Pesquisas retratam um momento específico, mas a sequência desses registros costuma indicar uma tendência.
A sondagem XP/Ipespe, divulgada ontem, confirma uma relevante mudança na percepção dos brasileiros sobre as Forças Armadas: elas estão perdendo a confiança pública desde o início do governo Jair Bolsonaro.
Ainda são uma instituição confiável para os brasileiros, tanto quanto a Igreja Católica ou a Organização das Nações Unidas. É notável, porém, a evidência de uma progressiva corrosão da sua imagem na sociedade.
Em dezembro 2018, sete em cada dez entrevistados declaravam “confiar” nas Forças Armadas.
Isso as deixava isoladas na liderança em credibilidade institucional. Situavam-se em patamar bem acima (dez pontos percentuais) da Igreja Católica e das Nações Unidas, por exemplo. E muito longe (trinta pontos) à frente dos bancos, empresários, igrejas evangélicas e mesmo da imprensa.
O antipetismo foi o pretexto para os chefes militares abrirem os portões dos quartéis ao candidato Bolsonaro. Quatro anos antes, por exemplo, ele estava em campanha para o sexto mandato na Câmara dos Deputados quando foi convidado a se apresentar à turma de oficiais de 2014 na Academia Militar de Agulhas Negras (Amin), em Resende (RJ).
Na eleição presidencial de 2018 recebeu o apoio dos comandantes. O chefe do Exército, general Eduardo Villas Bôas foi “um dos responsáveis” pelo triunfo de Bolsonaro, como o próprio presidente contou em agradecimento público ao ex-comandante.
Em abril de 2019, a cúpula das Forças Armadas já aceitara que Bolsonaro realizasse um amálgama dos seus interesses com os das instituições militares.
Naquele mês, a pesquisa XP/Ipespe captou a primeira variação na confiança pública — uma queda de 70% para 66%, que até poderia ser debitado a um mau humor episódico.
Não era. O processo corrosivo continuou, de forma gradual e coincidente com o esforço presidencial para dar ao governo uma moldura militarista, passando a tratar Exército, Marinha e Aeronáutica como órgãos de governo, embora a Constituição os defina como instituições do Estado.
Em janeiro do ano passado, o índice de confiança pública declinou para 63%. Estacionou durante todo o primeiro ano da pandemia, até o último fevereiro.
Quatro meses depois, no início deste junho, a taxa de credibilidade nas Forças Armadas baixou ainda mais — para 58%.
Significa uma corrosão de doze pontos percentuais durante os 29 primeiros meses do mandato de Bolsonaro.
Isso apareceu na pesquisa realizada na primeira semana de junho, entre os dias 7 e 10, e é provável que tenha captado os reflexos iniciais da crise no Exército aberta pelo presidente-candidato.
Habituado a governar pelo tumulto, Bolsonaro acrescentou uma novidade às suas relações com o antigo esteio militar: introduziu o vírus da anarquia nos quartéis.
No domingo 23 de maio, ele levou um general da ativa, o ex-ministro Eduardo Pazuello, para discursar num comício da campanha de reeleição no Rio.
Ambos atropelaram a legislação e todo o conjunto de regras de ética, profissionalismo, hierarquia e disciplina que proíbem o engajamento de militares da ativa na política partidária.
Diante da repercussão negativa, negaram o óbvio: não havia palanque — apenas um carro de som, do tipo trio elétrico—, não houve comício, manifestação ou ato político, até porque o presidente-candidato “nem mesmo tem partido”.
Bolsonaro foi além. Exibindo o poder de chefe constitucional das Forças Armadas, em público e em privado, pressionou o comando do Exército a “perdoar” Pazuello. Conseguiu.
A persistente corrosão na confiança pública, espelhada nas pesquisas desde 2018, indica que Bolsonaro está custando caro às Forças Armadas.