Alto risco
Riqueza rápida e presentes a políticos: a confissão de um suspeito nas fraudes do INSS
— Qual é o patrimônio da sua empresa, a FAC?
— Não faço ideia, Excelência. Mas é um… é um bom valor, pode ter certeza. Tem os meus veículos…
— Quantos?
— Não sei se 21 ou 23, não me recordo agora. Tem BMW, Ferrari…
— Vá dizendo que eu vou anotando aqui — ironizou o deputado relator da CPMI das fraudes no INSS. — Quantas Ferrari?
— Ferrari, uma. Mercedes, umas três… Pode ser que a cabeça esteja equivocada, mas acho que é isso.
— Como é que numa empresa de capital de 1 milhão de reais, só um dos veículos, a Ferrari, vale 4 milhões?
— A FAC é uma empresa para emissão de nota…
— Qual o faturamento?
— Excelência, é 3, 4, 7, depende…
— Milhões?
— Sim. Por mês.
Fernando Andrade Cavalcanti falava à Comissão Parlamentar de Inquérito como suspeito na trapaça bilionária nas contas de milhões de aposentados e pensionistas. O histórico das fraudes no INSS atravessa quatro presidências (Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro), mas inflou de forma exponencial nos últimos seis anos. O governo estima 6 bilhões de reais em prejuízos.
Cavalcanti, de 39 anos, economista, parecia encantado com a própria voz ecoando no plenário. Contou como enriqueceu rápido no mundo dos negócios em que grandes lucros dependem das conexões políticas de alto risco.
Oito anos atrás, vendia vinhos num supermercado de São Paulo, ganhava 5 000 reais por mês e contava menos de 100 000 de patrimônio. Mudou de vida em 2017, quando migrou para Brasília e foi trabalhar na banca de advocacia Nelson Wilians, uma das investigadas no caso do INSS. Um único cliente, contou, pagou 80 milhões de reais pela resolução de um problema. No ano passado, o movimento do escritório que emprega 3 000 pessoas se aproximou do bilhão de reais.
— Olhe, 23 veículos não é para todo mundo… — comentou o deputado relator.
— Ah, tem mais, Excelência… Umas dez motos. E dois Cadillac também.
— O senhor falou de três Mercedes, uma Ferrari, dez motos, dois Cadillac… Tem mais algo?
“Riqueza rápida e presentes a políticos: a confissão de um suspeito nas fraudes do INSS”
Cavalcanti lembrou de “vários” quadros de Di Cavalcanti e, também, de dois jatos executivos (modelos Phenom 100 e 300, da Embraer). Aí, alguém citou a recente ação policial na sua casa.
— Foi uma das piores experiências da minha vida.
— Quantos relógios do senhor foram apreendidos?
— Oito. O relógio Casino, por exemplo, é caríssimo.
É modelo em ouro rosé (18 quilates), corpo em ônix e visor de cristal de safira antirreflexo, desenhado pelo joalheiro Jacob Arabo, de Manhattan. Preço: 1,3 milhão de reais.
— Não tem problema nenhum o senhor ter o relógio — retrucou o relator. — O problema aqui é saber se isso está ou não vinculado ao dinheiro roubado dos aposentados e pensionistas. E, por acaso, o senhor tem a nota fiscal desse relógio de milhão de reais?
— Ainda estou pagando…
Perguntou-se sobre o inventário da polícia, com 140 garrafas listadas na adega:
— O senhor já fez um cálculo de quantos milhões de reais estão sob a sua responsabilidade, como fiel depositário desses vinhos?
— Salvo melhor juízo, 7 milhões e pouco…
— Isso está no seu Imposto de Renda?
— Não sei. Acho que não.
Cavalcanti fez questão de realçar seus hábitos de beneficência na política:
— Como democrata, gosto de investir, ajudar não só amigos, mas bons projetos. Não tenho nenhum interesse. Zero. Nas eleições estaduais (de 2022) depositei para o PP e para o PT. Cem (mil reais) cada. Foi questão da polarização partidária, e eu quis ajudar os dois.
— E o PP tinha polarização com o PT?
— Não, mas eu quis ajudar tanto a direita quanto a esquerda.
Mencionou-se um presente ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB:
— Estávamos num almoço e ele contou que, na juventude, teve um Fusca. Fui atrás para saber o ano, comprar um e dar de presente no aniversário dele.
— E esse carro vale quanto?
— Setenta mil. Ibaneis é um amigo.
— O senhor poderia citar outros políticos que o senhor presenteou com algo fora do limite permitido em lei?
— De lembrança… Eu não me lembro de nada agora, não.
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Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966







