Bolívia triturou Evo Morales e a esquerda nas urnas
Depois de vinte anos, partido do governo perdeu a presidência, a bancada no Senado e, com sorte, talvez acabe a semana com cinco deputados

Parecia uma campanha presidencial aprisionada na fadiga política. Virou ruptura na hora da votação.
Depois de duas décadas dominando o poder na Bolívia, o condomínio de partidos de esquerda foi triturado nas urnas no domingo (17/8). Quase oito milhões de eleitores deram 87% dos votos válidos aos candidatos da oposição de centro e de direita.
O senador do Partido Democrata Cristão Rodrigo Paz Pereira (32% dos votos) e o ex-presidente Jorge Quiroga (27%), líder conservador do Aliança Livre, disputam o segundo turno em 19 de outubro.
Epicentro da crise na esquerda, o Movimento ao Socialismo (MAS) já foi um caso de sucesso na luta eleitoral. Uma década atrás chegou a controlar dois terços dos votos no Legislativo — 25 de 36 senadores e 88 de 130 deputados. Nesta semana se tornou um monumento ao desastre político.
Depois de vinte anos no governo, perdeu a presidência, a bancada no Senado e, com sorte, talvez chegue ao final da semana com com cinco deputados garantidos no mapa da apuração oficial.
A boa notícia para os socialistas é que os 3,2% dos votos obtidos pelo candidato presidencial Eduardo del Castillo asseguram a sobrevivência do partido. O MAS precisava de ao menos 3% dos votos para não perder o registro jurídico a partir do próximo ano, como prevê a legislação eleitoral boliviana.
Os socialistas viraram pó nas urnas na sequência dos choques entre o principal líder do MAS, o ex-presidente Evo Morales, e atual presidente boliviano, Luís Arce.
Chefe sindical dos plantadores de coca (cocaleros), Morales presidiu a Bolívia por três vezes seguidas (entre 2006 e 2019). Arrastou o país a uma crise institucional porque nunca aceitou a proibição constitucional a mais de uma reeleição na presidência — ele se elegeu para o terceiro governo a partir de manobras judiciais; sob pressão, renunciou e atribuiu a crise a uma conspiração “da direita” guiada pelo “imperialismo” americano.
Ele passou os últimos anos dedicado à demolição da sua principal obra política, o MAS. No confronto com Arce, promoveu bloqueios e isolamento de cidades que pareciam induzir o país a uma guerra civil. Nas pesquisas, porém, ampla maioria (69%) dos eleitores classificava a agitação promovida pelo caudilho como parte da tática para evitar que fosse investigado e preso por delitos privados. Morales é acusado de crimes de corrupção de menores no período de treze anos em que esteve na presidência.