Há uma semana Jair Bolsonaro prevê “acontecimentos” que, segundo ele, podem mudar o rumo da campanha eleitoral.
Conversa com eleitores e repete frases vagas, enigmáticas, na portaria do Palácio da Alvorada, residência oficial.
Faz isso no contexto de críticas aos antecessores, com um sentido de ameaça, sugerindo revelações em futuro próximo.
“Muita coisa vai acontecer até a eleição”, disse, por exemplo, no final da semana passada.
Ontem, foi além: “Qual a diferença de uma ditadura feita pelas armas, como a gente vê, por exemplo, em Cuba, Venezuela, em outros países, de uma ditadura que vem pelas canetas? Qual é a diferença? Nenhuma. Vocês sabem o que está acontecendo no Brasil? Eu acredito em Deus, nos próximos dias vai acontecer algo que vai nos salvar no Brasil. Tenho certeza disso.”
É longo o histórico de ameaças de Bolsonaro. Elas seguem um padrão, desde a “Operação Beco Sem Saída” — plano para atentados a bombas em quartéis nos anos 80, revelado por VEJA —, até o anúncio de desobediência ao Supremo, no último 7 de setembro. Bravateia no limite, logo recua.
Agora ele é candidato e há uma campanha em andamento. Sua reeleição está em risco, sugerem as pesquisas, por escassez de intenções de votos — na tradução bem-humorada dos aliados está na fase do “Já ir ou Já era”.
Pode-se relevar o prenúncio de um candidato que só considera limpas as eleições que vence, mas parlamentares experientes acham prudente não desdenhar porque ele é presidente e o governo está inteiramente mobilizado para a disputa nas urnas, por ele desacreditadas.
Exemplificam com a devassa iniciada há um ano no Ministério da Educação sobre a massa bilionária de contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Suspeitas de fraudes em benefício de conglomerados educacionais privados foram detectadas em fevereiro passado, como na época relatou o repórter Hugo Marques, de Veja. Polícia e a auditores da Controladoria-Geral da União entraram em campo.
Há cinco meses vasculham arquivos eletrônicos apreendidos. É muito provável que o resultado das investigações se torne um tema de embates na campanha.
Bolsonaro chama atenção pela insistência na proposição de um mistério (“vai acontecer algo”) vinculado à eleição.
Como presidente, se acostumou a governar pelo tumulto. Como candidato parece estar à procura de alguma zaragata, algazarra ou desordem — são inúmeros os sinônimos — com potencial de “nos salvar”, como disse ontem.
Seja o que for, certamente não haverá de ultrapassar os limites descritos tempos atrás pelo historiador Evaldo Cabral de Mello: “A gente sabe perfeitamente o que é o enigma brasileiro, não precisa ficar procurando. O Brasil é metade falta de caráter – corrupção –, metade incompetência. Você pode explicar quase tudo o que acontece no Brasil por uma dessas duas metades do mesmo fenômeno.”