O candidato Jair Bolsonaro não subscreve nem se considera responsável pelos atos do presidente ou do próprio governo.
Dias atrás, eximiu-se do desgoverno na pandemia e das obscuras transações com vacinas na Saúde, alegando não poder saber de tudo que acontece nos seus 22 ministérios.
Ontem, renegou o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias que assinou, enviou ao Congresso no último 15 de abril, e, com ele, abriu a porta do Tesouro para a eleição mais cara da história, na qual pretende disputar a reeleição.
Na sua mensagem (nº 135), o presidente especificou a reserva de recursos públicos para o financiamento de campanhas em 2022 e transferiu ao Congresso o poder de decisão sobre o valor do fundo eleitoral.
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Criado no vácuo da proibição de doações de empresas privadas para campanhas políticas, esse fundo recebeu R$ 1,7 bilhão na eleição de 2018, quando Bolsonaro ganhou a presidência.
Na eleição municipal de 2020, o governo sugeriu aumentá-lo em 47%, para R$ 2,5 bilhões. Embutiu o valor no orçamento daquele ano. Alertado por deputados do Novo, alegou erro de cálculo, prometeu corrigir para R$ 1,8 bilhões, mas não fez.
Na época, parlamentares governistas chegaram a propor R$ 3,7 bilhões, um aumento de 117%. Diante da repercussão negativa, todos recuaram. E o fundo cresceu 17%, para R$ 2 bilhões.
Em público, porém, Bolsonaro dizia ser contra. Em 2020 gravou vídeo recomendando seguidores a não votar em candidatos que usassem o fundo público de campanha.
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Desta vez, o jogo foi diferente. Bolsonaro enviou a lei de diretrizes com previsão para esse fundo, mas sem definir o valor. Delegou a tarefa aos líderes governistas, agrupados no Centrão.
Na Comissão Mista de Orçamento, eles engendraram uma fórmula: um quarto do valor das emendas de bancadas parlamentares mais um quarto da soma dos orçamentos da Justiça Eleitoral em 2021 e 2022.
O resultado foi um aumento de 185% (de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões) no volume de dinheiro público disponível para financiamento de campanhas no próximo ano.
Essa bolada é dividida entre 33 partidos (24 com representação na Câmara) de forma proporcional às respectivas bancadas. Beneficiários da oposição, como o PT, guardaram silêncio.
Na quinta-feira passada, a lei orçamentária — com o fundo eleitoral triplicado — foi à decisão no Congresso. Pelas regras internas, seria possível a um grupo partidário, com o mínimo de 51 votos, requerer votação em separado desse fundo eleitoral triplicado, e, então derrubá-lo. Mas os líderes do governo não se mexeram. Os partidos governistas e o carro-chefe da oposição, o PT, também.
Na Câmara, 278 deputados aprovaram, 145 ficaram contra e houve uma abstenção. No Senado, 40 disseram “sim” e 33 votaram “não”.
Alguns governistas deram voto a favor e, diante da péssima repercussão, passaram criticar o projeto.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, votou pela aprovação daquilo que, mais tarde, repudiou em público como “uma excrescência”.
Já o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) aprovou e não comentou. Na rodada anterior, a da aprovação do fundo eleitoral de 2020, também votou a favor, mas depois ter se enganado.
Ontem, Jair Bolsonaro repetiu o roteiro. Culpou o Congresso, e especialmente o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a sessão e não votou. Se considerou vítima de uma “casca de banana” dos parlamentares.
Ramos retrucou: “Quero lembrar ao presidente, que quem encaminhou a LDO com previsão de fundo eleitoral para o Congresso, foi ele. O governo dele. Quem articulou a votação na Comissão Mista do Orçamento para se definir o valor foram os líderes do governo dele. E quem articulou a votação em plenário foram os líderes do governo dele. Quem votou a favor foram os filhos dele, tanto na Câmara como no Senado. Eu só presidi a sessão.”
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Agora, Bolsonaro terá de escolher se sanciona como está a lei de diretrizes orçamentárias, em harmonia com o projeto que enviou em abril, ou se veta, e, mais uma vez, “lidera” a negociação com os aliados para um desconto no valor triplicado do fundo eleitoral. “Eu já antecipo: seis bilhões para fundo eleitoral, eu não admito” — anunciou à saída do hospital, onde passou os últimos quatro dias tratando uma “obstrução intestinal”.
Bolsonaro inova na lógica eleitoral: candidato à reeleição se reserva o direito de nem sempre subscrever seus atos como presidente ou os do próprio governo.