O Brasil alcançou um nível inédito de dependência econômica da China. Os chineses compraram mais de um terço (31,8%) das exportações brasileiras nos últimos dois anos.
Essa dependência tem agravantes. Um deles é a alta concentração das vendas à China num trio de matérias-primas — minério de ferro, soja e petróleo. É desses três produtos que o Brasil obtém oitenta de cada cem dólares nas vendas ao mercado chinês. Em consequência, quase dois terços dos Estados brasileiros mantêm sua economia dependente das exportações para a China.
Em paralelo, os chineses avançam na competição com os Estados Unidos pelo domínio do comércio com a América do Sul. Um dos resultados é a gradual ocupação de posições de liderança em mercados da região, em substituição ao Brasil nas vendas de produtos industriais.
Está ocorrendo no Mercosul, bloco econômico criado pelo país em sociedade com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Aos poucos, o Brasil está sendo cercado pela concorrência chinesa dentro do Mercosul.
Na virada do milênio, o Brasil vendia ao Mercosul o equivalente a 15% das suas exportações. Ano passado, vendeu 7%. Perdeu para a China, por exemplo, a primazia no fornecimento de bens industrializados para a Argentina.
O avanço chinês no Mercosul se consolida por iniciativas relevantes foram anunciadas na Argentina no início do ano e no Uruguai nesta semana.
Em situação econômica crítica, o governo argentino negocia desde fevereiro a adesão ao programa de investimentos da China conhecido como Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative, em inglês).
É um instrumento de política externa do governo Xi Jinping focado no crédito a projetos de infraestrutura, atrelado a exportações de bens e serviços chineses.
Agora é com o Uruguai. O presidente Luis Lacalle Pou surpreendeu os sócios do Mercosul, nesta semana, com o aviso da abertura formal de negociações para um Tratado de Livre Comércio com a China.
O Brasil e a Argentina reagiram. A mensagem brasileira foi a mais explícita, com a decisão de Jair Bolsonaro de não comparecer à reunião do Mercosul na quinta-feira (21) em Assunção, no Paraguai. Candidato à reeleição, preferiu evitar esse encontro de presidentes. Achou que seria uma cilada de más notícias em plena campanha.
Acordos bilaterais de livre comércio são objetivos estratégicos antigos do Uruguai, numa espécie de consenso político nacional. No entanto, Brasil e Argentina têm bloqueado as iniciativas uruguaias nas últimas duas décadas. Antes, impediram acordo comercial com os Estados Unidos, agora tentam bloquear as negociações com a China. Insistem em decisões coletivas, por unanimidade, dentro do Mercosul.
O comércio do Uruguai com a China aumentou (de 5% para 30% do total das exportações) nas últimas duas décadas. Cresceu de maneira até mais concentrada do que ocorreu com o Brasil — 60% das vendas uruguaias ao mercado chinês são de carne bovina.
Se para o Uruguai o livre comércio com a China representaria chance efetiva de multiplicação de riqueza, com plataforma de exportações variadas, para o Brasil, em particular, significaria maior desvio de comércio dentro do Mercosul, com perdas ainda mais significativas de posições comerciais no bloco para exportadores chineses.
A indústria de veículos e de autopeças, por exemplo, teme a competição com o capital e a tecnologia da China no Mercosul, que é a sua área mais privilegiada, protegida por tarifas de importação. As fábricas de calçados também seriam afetadas pela concorrência chinesa, que já é dona de mais da metade do mercado mundial.
Os uruguaios sinalizaram que não pretendem passar os próximos anos à espera de decisões comuns com o Brasil e a Argentina. Citam como exemplo o impasse do acordo Mercosul-União Europeia, que completou 22 anos de negociações e continua no papel.
Na prática, a decisão do Uruguai de formalizar entendimentos com a China para um tratado de livre-comércio representa um xeque-mate nos sócios. Todos negam, mas o fragilizado Mercosul avança em direção ao abismo.