Governos passam, mas nem todos parlamentares mudam. Parte do Congresso continua governista. Qualquer que seja o governo, e sempre por um preço “justo”.
Assim foi com Jair Bolsonaro, repete-se com Lula.
Adversários nas ideias, ambos têm em comum o gosto pelo culto à personalidade e a mesma debilidade estrutural na presidência, a inanição de votos no Congresso.
Elegeram-se com rarefeitas bancadas partidárias: Bolsonaro tinha cerca de trinta fidelizados, Lula conta com um pouco mais, sete dezenas, num plenário de 513 deputados federais.
Não há governo com agenda conflitiva para a sociedade que se sustente na intransigência tendo margem mínima (5 a 15%) de votos na Câmara. Como Bolsonaro, Lula viu-se obrigado à negociação para governar.
Ambos encontraram um grupo parlamentar heterogêneo, majoritário nos plenários do Congresso, e disposto a salvá-los em votações importantes à sobrevivência, principalmente na área econômica. Em troca, foram incorporados ao governo, com direito à partilha de ministérios, cargos regionais e verbas federais.
Centrão é uma geringonça política funcional, que permitiu a Bolsonaro quase chegar ao final do governo — ele renunciou, na prática, ao se refugiar na Flórida três dias antes de terminar o mandato. Esse bloco parlamentar perdeu a eleição presidencial, mas correu para ajudar o vencedor. E foi bem recebido pelo adversário, consciente da própria fragilidade.
Não há indício de que Lula e Centrão estejam infelizes nessa aliança pragmática. Ela é incapaz de garantir um bom governo, mas assegura estabilidade ao governante contente no papel de gerente do atraso.
É um tipo de arranjo amortecedor de crises, baseado na acomodação de interesses. E já ultrapassa fronteiras, como mercadoria política de exportação made in Brazil.
O repórter Carlos Pagni, do jornal La Nación, percebeu a formação de bloco de poder semelhante em meio à tormenta político-econômica da Argentina. Vem aí um “Centrão criollo, el Gran Centro” — anunciou, ressaltando as deficiências próprias das comparações.
“São parlamentares”— explicou — “atados a interesses específicos, territoriais ou pessoais, que renunciam a um grande projeto nacional, mas fornecem a quem tem esse sonho um andador que habilita e ao mesmo tempo limita.”
Lembrou o caso de Bolsonaro, de quem extraíram “um orçamento alternativo” ao oficial: “No Congresso argentino assoma um animal dessa mesma espécie”.
Um grupo de parlamentares se dispõe a somar seus 94 votos aos 36 da bancada do governo. E, assim, Javier Milei teria a maioria (136 votos, 53% do total) suficiente para aprovar grande parte dos dois projetos que dão contornos à sua megalomania legislativa.
Um possui 664 artigos sob retumbante título: “Bases y puntos de partida para la libertad de los argentinos.” Outro propõe autêntica reforma constitucional, com densas reformas trabalhista e eleitoral — nesse caso, com a peculiaridade de drástica redução nas representações parlamentares de 18 províncias e aumento de 27 deputados na bancada de Buenos Aires, onde vivem 39% dos eleitores argentinos.
Como Bolsonaro e Lula, Milei é um governante débil no Legislativo (tem 15% dos votos). Mantém alta popularidade (60% de aprovação nas pesquisas mais recentes), apesar do caos econômico. Sua vulnerabilidade é sinônimo de oportunidade para políticos que preferem sofrer no poder do que na oposição.
Caso exemplar aconteceu na primeira reunião do Partido Progressistas (PP), ano passado. Lula ainda não completara quatro meses de mandato, e o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, apresentou-se disposto a conduzir o partido à vanguarda da oposição.
Quando acabou de falar, foi chamado a um grupo no canto da sala. E ouviu uma bem-humorada provocação no sotaque nordestino:
— Tá tudo muito bom, tudo muito bem, mas, ô Ciro, ensina aí pra gente como é ser oposição.
Ele rebateu, sorrindo: — Vamos cobrar gritando: “Cadê a picanha?” — referência à promessa mais repetida por Lula na campanha (“O povo vai voltar a comer um churrasquinho, uma picanha e tomar uma cervejinha…”)
Foi quando o Luiz Eduardo, o deputado “Lula” de 22 anos e quatro oligarquias pernambucanas no sobrenome (Queiroz Campos da Fonte Albuquerque), emendou:
— É, tio, mas esse negócio de óculos Ray-Ban, sapato branco e oposição só fica bonito nos outros…