A decisão de avançar rápido com a reforma tributária transformou o Congresso no centro da maior disputa de poder desde que o país promulgou a Constituição, em 1988.
É jogo a dinheiro, com apostas tão inéditas quanto divergentes nos últimos 35 anos sobre limites da autonomia dos estados, municípios e da União na coleta e na distribuição das receitas, fator-chave na forma de organização político-administrativa da federação.
Há consenso de que a reforma do sistema tributário é, realmente, necessária. Porém, como todos sabem o que não querem, sobram dúvidas sobre como pretendem fazer.
Uma das poucas certezas é a disposição demonstrada pelos governadores dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste para vetar qualquer tópico legislativo que resulte em maior concentração de poder na União sobre a partilha dos tributos arrecadados.
Por isso, os chefes de governos dessas regiões programaram reuniões hoje com deputados e senadores, em Brasília. Querem evitar perder arrecadação. E querem, também, garantir que o governo federal seja obrigado a uma equivalência financeira, na forma de compensações aos estados.
Isso porque a União arrecada cerca de R$ 1,4 trilhão, e os estados e municípios arrecadam R$ 960 bilhões por ano.
Dinheiro significa poder e, em tese, o projeto de reforma em debate no Congresso afeta proporcionalmente mais os cofres dos estados mais ricos do que o caixa do governo central.
Sudeste, Sul e Centro-Oeste concentram 79,5% da produção nacional de riqueza, medida pelo Produto Interno Bruto.
Governadores como Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas), Cláudio Castro (Rio) e Ronaldo Caiado (Goiás) opõem-se, entre outras coisas, à criação de um mecanismo de centralização da arrecadação e distribuição de tributos: o Conselho Federativo previsto no projeto de emenda constitucional que está no Congresso teria representantes da União, dos 27 estados e do Distrito Federal. O direito igualitário de voto permitiria o domínio do Norte e do Nordeste, que somariam 16 votos.
Outra fonte de impasse é o Fundo de Desenvolvimento Regional, cuja partilha teria como critério a inversão do PIB. Ou seja, ganhariam mais os estados mais pobres, com PIB menor. Problema: os sete estados do Sudeste e do Sul são os mais ricos e perderiam, mesmo abrigando a maior parte (56,6%) da população — 115 milhões do total de 204 milhões.
O governo Lula e alguns líderes do Congresso, entre eles o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, desejam que a reforma tributária seja aprovada o mais rápido possível. Lira vendeu ao Palácio do Planalto a possibilidade de aprová-la ainda nesta semana na Câmara, em primeiro turno.
O Orçamento já foi “parlamentarizado”. O jogo de poder sobre o sistema tributário, no entanto, mal começou. Hoje, o mais provável é que o governo federal saia da mesa com menos caixa do que possuía (1,4 trilhão) quando começou.