Parte da capital de Alagoas está afundando. É a terceira catástrofe ambiental provocada pela indústria de mineração nos últimos oito anos. Há aspectos comuns entre a lama tóxica que matou 291 pessoas em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) e os desabamentos no subsolo de cinco bairros de Maceió, onde cerca de 60 000 vidas foram afetadas. Um deles é a cumplicidade estatal com o capitalismo selvagem.
O país convive com uma tragédia industrial a cada trinta meses, em média. No entanto, governos e empresas continuam achando melhor viver na ficção. De Lula, por exemplo, não se ouviu palavra sobre calamidades ambientais nacionais, como a alagoana.
Semana passada, ele liderou em Dubai uma comitiva de 1 337 brasileiros na reunião preparatória da conferência da ONU sobre meio ambiente em Belém, marcada para novembro de 2025. Manteve-se alheio, como fizeram Jair Bolsonaro, Michel Temer e Dilma Rousseff, à eloquência dos fatos. Eles se repetem, em trágica monotonia, na confirmação da inépcia política, administrativa e judiciária do Brasil em induzir mudanças na sua base produtiva, enquadrando-a na legislação existente, que, paradoxalmente, é uma das mais avançadas na modernidade capitalista.
É notável que as empresas envolvidas tenham relevante participação do Estado no bloco de controle acionário. A Petrobras é sócia da Novonor (antiga Odebrecht) na Braskem, protagonista do drama em Alagoas. A Vale é parceira da anglo-australiana BHP Billiton na Samarco, patrocinadora do desastre de Mariana. E é autora solitária do enredo de devastação de Brumadinho.
No infortúnio jurídico-ambiental, empresas logo se refugiam no manual de autoelogios sobre padrões de governança social, sustentável e gerenciada. Na sequência, acionistas autorizam a habilitação em questionáveis processos de contenção de danos financeiros.
A Braskem é caso exemplar. Em julho, improvisou um “acordo” de limitação de perdas e danos. Inexplicavelmente, a Prefeitura de Maceió aceitou dar “quitação plena, rasa, geral, irrestrita, irrevogável e irretratável” das obrigações pela catástrofe ambiental no subsolo da cidade.
“Conluio estatal com capitalismo selvagem levou à terceira catástrofe ambiental em oito anos”
Num adorno jurídico, o prefeito João Henrique Caldas, do Partido Liberal, permitiu-se até subscrever uma cláusula, onde se lê: “O município declara que a reparação integral (…) abrange os custos com a realização de todas e quaisquer ações, programas, projetos, políticas públicas e outras medidas, já executadas ou ainda a serem definidas ou implementadas pelo município”. A Braskem pagou 1,7 bilhão de reais pelos efeitos passados, presentes e futuros daquilo que chama de “evento geológico”.
A mineração de sal-gema em Maceió começou há 47 anos, uma década antes de o prefeito Caldas nascer e na época em que Lula começava a ser pressionado pela base metalúrgica a protestar contra a política de arrocho salarial da ditadura. No início, moradores incomodavam-se com o barulho e a trepidação no solo originados na abertura de cavernas — são 35, com cerca de 200 metros de diâmetro e 1 quilômetro de profundidade.
Em março de 2018, as chuvas e um tremor (de 2,5 na Escala Richter) provocaram rachaduras em imóveis e crateras no asfalto de cinco bairros. O Serviço Geológico nacional constatou, então, que o solo afundava ao ritmo de 1,7 centímetro por mês em relação ao nível do mar. A velocidade aumentou para 1,87 metro na primeira semana deste mês. É uma área extensa na capital com 1 milhão de habitantes, de tamanho equivalente aos bairros Bela Vista, em São Paulo, e Copacabana, no Rio.
“Quer dizer que, de uma hora para outra, os bairros racham e ninguém viu nada durante mais de quarenta anos de fiscalização?”, perguntou o líder comunitário Geraldo de Castro Júnior a representantes da Braskem, do governo, do Legislativo e do Judiciário. A cena aconteceu quatro anos atrás, numa rara audiência pública realizada no Congresso sobre esse desastre ambiental. Ele voltou para Maceió sem respostas.
O Brasil é reconhecido pela chance de reformatar a economia na chamada transição energética. Continua, porém, aprisionado em ambiguidades políticas como a da exploração de petróleo no mar da Amazônia (na reunião sobre meio ambiente em Dubai, Lula anunciou a filiação à Opep+, cartel dos produtores de combustíveis fósseis). Segue refém até de disputas paroquiais, como a da guerra das oligarquias alagoanas, que bloqueia iniciativas sobre o desmoronamento de um pedaço de Maceió — nome em tupi para designar terra sobre pântano.
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Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871