A pauta da Câmara sugeria uma sessão da tarde tranquila, esvaziada, nesta terça-feira (25/6). Na lista de votações, entre outros assuntos, estavam projetos para a nomeação de Campinas (SP) como “capital nacional da tecnologia” e de homenagem ao falecido deputado paulista Arnaldo Faria de Sá. Não foi bem assim.
O deputado Glauber Braga, do Psol do Rio, foi ao microfone e lamentou: — Um episódio muitíssimo triste aconteceu nas últimas 72 horas, que foi a detenção arbitrária, ilegal e inconstitucional, em um aeroporto brasileiro, do professor palestino Muslim Abuumar, com um visto concedido pela embaixada brasileira. Quem é que manda no Brasil? São os brasileiros ou é o FBI? Ou é a polícia política do Estado de Israel? Ou é o serviço de inteligência, com seus mecanismos de espionagem, dos Estados Unidos e de Israel? O que fez com que o governo brasileiro aceitasse? É um absurdo que sejam os governo dos Estados Unidos e do Estado de Israel que determinem a política externa brasileira!
O deputado José Medeiros, do PL do Mato Grosso, criticou: — Estou vendo que aqui está cada vez pior. Tem um partido aqui que defende a bandidagem sob o pano de fundo de defender os pobres e defende o Hamas sob o pano de fundo de defender a Palestina.
Funcionou como uma espécie de senha para a ala bolsonarista. Altineu Côrtes, do PL do Rio, atacou: — A decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar o porte da maconha para uso pessoal é uma tragédia para a sociedade brasileira (…) Nós temos aqui uma deputada do PSol, a deputada Sâmia Bomfim, que é querida entre nós, apesar de ideologicamente não estarmos no mesmo campo, que teve um irmão brutalmente assassinado no Rio de Janeiro por traficantes e milicianos. E o que alimenta o tráfico e a milícia? As drogas.
Glauber Braga, marido de Sâmia, levantou-se: — Peço a palavra, quando ele terminar.
— Deputado Glauber, tenho respeito por vossa excelência, apesar de ideologicamente…
— Não parece.
— Vossa excelência sempre quer brigar com todo mundo, não é? Quando eu acabar de falar, você fala.
— Vai ouvir — retrucou Glauber.
— A hora que você quiser, irmão — devolveu Altineu.
— Vai ouvir.
— Não tem problema nenhum te ouvir, não, irmão.
— Vai ouvir e vai ouvir bastante.
— Quer caçar confusão, como é contumaz, useiro e vezeiro fazer isso…
João Carlos Bacelar, do PL da Bahia, presidia a sessão: — Deputado Glauber, tem um minuto.
Glauber: —Olha, deputado Altineu, não utilize a dor da nossa família para atingir os seus objetivos políticos e pessoais. Nós não entendemos de drogas ilícitas. Quem entende de droga ilícita é família que esta envolvida diretamente com desvio de medicamentos. A nossa não está. Lave a boca para falar do falecimento do irmão de Sâmia, minha companheira, e do meu cunhado.
Se nós quiséssemos de alguma forma saber de onde vão sair os grandes volumes de drogas, provavelmente nós perguntaríamos sobre o avião do ex-presidente da República que o senhor apoia; sobre o tio da ex-ministra Damares [Alves, senadora], que o senhor apoia; sobre o ex-ministro da Pesca [Jorge Seif Jr., ex-secretário da Pesca, senador], que o senhor apoia. Não utilize o nome e o sofrimento da nossa família para atingir os seus objetivos pessoais, porque se o senhor sabe fazer de forma dissimulada algo que sabe que nos atinge, nos magoa e nos fere, nós sabemos reagir à altura e só estamos começando nessa reação.
Não repita o que fez hoje…
Altineu, líder da ala bolsonarista, insistiu: — Não tenho medo das suas respostas, deputado. Vossa excelência deve tomar um remédio, vossa excelência está fora de si. Sabe por quê? O assassinato do seu cunhado atingiu o Brasil inteiro, atingiu o Brasil inteiro.
— Quer que a gente fale mais? — desafiou Glauber. — Se quiser a gente continua.
Altineu: — Eu não uso para benefício pessoal não.
Barcelar, que presidia a sessão, interveio: — Peço calma. Seguindo as orientações do presidente Arthur Lira, nós não vamos mais deixar acontecer nenhum palco de agressão entre deputados.
Glauber: — Na próxima vez, que esse deputado utilizar a dor da nossa família, com os seus objetivos pessoais, vai ter uma resposta no mesmo nível, daqui para mais.
Houve tumulto no plenário. A deputada Fernanda Melchiona, do Psol gaúcho, não se conteve: — Eu fico estarrecida com a covardia, com a truculência, com a hipocrisia, com o desrespeito a uma família enlutada. Então, eu quero começar o meu discurso, de novo, desejando a ti [Glauber] e à deputada Sâmia Bomfim, toda a minha solidariedade frente ao assassinato do Diego [irmão de Sâmia, morto em ataque de traficantes num quiosque da Barra da Tijuca, no Rio].
Prosseguiu: — É muita demagogia. Passaram a sessão inteira reclamando do Supremo Tribunal Federal, que foi correto e fez muito bem em garantir a descriminalização do uso pessoal da maconha, separando o traficante de usuário para acabar com muita hipocrisia que existe por aí. Quando um jovem preto e pobre é pego com 3 gramas de maconha, é rapidamente tachado como traficante, mas quando um avião pertencente ao tio de uma senadora que foi ministra do Bolsonaro é pego com 300 quilos de cocaína — eu nunca vi alguém ter nariz para consumir 300 quilos de uma droga tão pesada e violenta como cocaína; não tem como não ser tráfico —, aí não tem um pio da extrema direita, aí é um silêncio inacreditável. Aí, eles vêm ao plenário criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (…) São os mesmos que ficam quietos, com um avião de cocaína na comitiva presidencial do Bolsonaro, com quilos de cocaína.
Glauber retorna ao microfone: — E falo na cara, com coragem, diferentemente do deputado José Medeiros, que, fora dos microfones, disse que eu era uma merda. Só que, no microfone, ele não repete, porque não tem coragem. Diferentemente do deputado Altineu, que subiu àquela tribuna para falar, de forma sorrateira, do meu cunhado, porque já sabia que na Comissão de Constituição e Justiça esse havia sido um tema que muito feriu a nossa família. Só que, deputado, o senhor voltou a fazer uma acusação, mais uma vez dissimulada, em relação à minha mãe. E agora faz uma cara dissimulada novamente. Isso porque a extrema direita brasileira propagou uma fake news durante muito tempo de que minha mãe teria desviado dinheiro da merenda escolar [Saudade Braga foi prefeita de Nova Friburgo, no Rio].
José Medeiros grita: — É o caso de suspender a palavra. Ele foi avisado! Ele foi avisado!
Glauber: — E o senhor repetiu essa fake news mais uma vez. Como era fake news também a notícia que vocês colocaram [nas redes sociais] de um sujeito colocando dinheiro na cueca, e dizendo: “Trata-se do deputado Glauber”. Eu não me encolho para esse tipo de mentira e ataque rasteiro. Toda vez que um deputado vier a esta tribuna tentar, de maneira sorrateira, desonrar a dor da nossa família, vai ter uma resposta à altura. E, se vier com alguma ameaça de afastamento cautelar [do mandato], faça.
Deputado Altineu, sobre o pé na bunda do sujeito do MBL [recentemente, Glauber expulsou da Câmara um militante do grupo, aos chutes], não me orgulho do que fiz, mas não me arrependo do que fiz e agradeço todos os dias por ter honrado a vida da minha mãe.
Da presidência, Barcelar decretou: — Declaro encerrada a discussão.
Airton Faleiro, do PT do Pará, tentou ajudá-lo: — Em nome dos meus cabelos brancos… não deixemos de fazer o embate e o debate, mas de forma civilizada. Eu acho que é isso que o povo brasileiro espera de nós.
Mas José Medeiros voltou: — Ele está mentindo…
Bacelar: — Deputado Medeiros… Peço que conclua, deputado Glauber.
Glauber: — Não me surpreende que ele [Medeiros] tenha feito dessa forma. Do mesmo jeito que, aqui fora do microfone, ele me chamou — vou ter que usar a palavra — de merda, ele não faz a mesma coisa ao microfone, porque o que marca a personalidade do deputado José Medeiros é a covardia. É um covarde!
Barcelar: – Nós não vamos admitir aqui ofensas, deputado Glauber. Então, por gentileza, vossa excelência se contenha aqui no debate…
Medeiros interrompeu: – Vossa excelência ouviu aí o que ele falou, não é, presidente? Cada um dá o que tem.
E assim, mais uma sessão da tarde na Câmara acabou em clima de tragicomédia no plenário.