— Pois não, babaca. Quem falou aí?
Paulo Fernando dos Santos, 65 anos, bacharel em direito, conhecido como Paulão do PT de Alagoas, não gostou da interrupção do discurso inaugural do seu quarto mandato na Câmara dos Deputados.
— Fui eu — respondeu o estreante Gilvan Aguiar Costa, 46 anos, ex-policial federal que se elegeu como Gilvan da Federal pelo Partido Liberal do Espírito Santo.
— Obrigado, babaca. Você tem de aprender o que é democracia… — devolveu o petista.
— Babaca é você — retrucou Gilvan, logo contido por aliados. — Eu tenho nojo, asco do PT e do PSOL!
Foi um dos mais suaves embates registrados no plenário da Câmara na semana passada.
Há algum tempo, a cólera virou matéria-prima do marketing parlamentar em redes sociais.
Desta vez, a explosão de agressividade espetaculosa entre bancadas do governo e da oposição bolsonarista, concentrada no Partido Liberal, produziu um efeito colateral: deixou o presidente da Casa, Arthur Lira, do Progressistas de Alagoas, exposto ao risco de perda de controle do plenário — chave do poder na Câmara.
Lira, 53 anos, avança para o 13º ano de mandato. Já viu um pouco de tudo, mas está diante de um problema novo. Só encontrou um adjetivo para definir o duelo entre radicais lulistas e bolsonaristas nas primeiras sessões do ano legislativo: “Deprimente”.
Assistiu a cenas como a da estreia de Mauricio Luiz de Souza, 34 anos, que saiu das urnas como Mauricio do Vôlei, do PL de Minas Gerais. Da tribuna, dirigiu-se aos oponentes: — Eu vejo os parlamentares do PT, e isso me dá ânsia de vômito.
O tumulto impôs ao plenário uma atmosfera doentia, voraz e impiedosa no ceticismo sobre direitos dos adversários:
— Eles (bolsonaristas) vão ter de aprender a ouvir neste Parlamento, o Brasil precisa ser “desbolsonarizado” — atalhou o engenheiro Ivan Valente, 76 anos, do PSOL de São Paulo.
José Nelto Lagares das Mercez, 62 anos, advogado eleito pelo PP de Goiás, começou a gritar: — Milionário do PSOL! — referência depreciativa a um pedido de indenização de Valente, que alega ter sido vítima da ditadura.
O vice-líder do PSOL continuou, como se escutasse somente a própria voz: — Bolsonaro perdeu! Não adianta chorar, não adianta… É genocida! Delinquente! Matador!
“O radicalismo corrói o Legislativo e se transforma em desafio para Lira”
Giovani Cherini, 62 anos, um professor eleito pelo PL gaúcho, largou a cuia de cabaça com chimarrão e partiu para o contra-ataque:
— Quem deu a facada no presidente Bolsonaro? — perguntou, evocando a remota filiação ao PSOL do autor do atentado em Juiz de Fora (MG), antes das eleições de 2018.
Valente prosseguiu, mais enfático: — Bolsonaro é assassino de índios!
— Quem deu a facada? — repetiu Cherini até obter a resposta óbvia e coerente com o ambiente alucinado: — Foi um maluco, e Vossa Excelência bem sabe disso.
A eloquência das palavras amoladas no desejo de poder, conquistado ou frustrado, perturbou Gilberto Gomes Silva, 41 anos. Ex-policial militar, estreante do PL paraibano, desabafou diante da plateia: — É impressionante! É muito difícil defender o presidente Bolsonaro e ser conservador, seja aqui ou na Paraíba.
Num dos momentos, pela lateral do plenário desfilava um deputado com um exemplar da Bíblia sobre a cabeça. Manoel Isidorio de Santana Junior, 60 anos, ex-PM convertido em pastor evangélico, iniciava o segundo mandato pelo Avante da Bahia.
Num corredor paralelo, João Chrisóstomo de Moura, 63 anos, coronel do Exército na reserva eleito pelo PL de Rondônia, alternava intervenções rápidas, preocupado em afirmar a própria virilidade: — Eu sou machão, eu sou machão… Olhem bem, vocês da esquerda, cuidado quando falarem contra mim, e não falem mal dos generais! Sou indígena, nasci na Floresta Amazônica, sou filho de tukano. Com “k”. É tukano com “k”. E sou brabo mesmo…
Depois da invasão depredadora de 8 de janeiro, a Câmara iniciou o ano legislativo numa efervescência achincalhante para a instituição.
Alberto Fraga, ex-policial com 16 anos de mandato, agora pelo PL do Distrito Federal, testemunhou no plenário: — É inacreditável! Vim tomar posse e não tenho onde ficar. O deputado que ocupava o gabinete não deixou nada, chegou ao absurdo de cortar os cabos de rede (de comunicações). Levou todos os móveis. É abuso, é um patrimônio público.
Duas semanas atrás, Arthur Lira brilhou com uma votação recorde (90%) na reeleição para a presidência da Câmara. Agora, se não reagir, corre o risco de assistir à própria liquefação nessa ebulição anárquica do radicalismo parlamentar.
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Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829