A velocidade do derretimento da ditadura venezuelana surpreende antigos aliados da cleptocracia chavista no Brasil e na Argentina. Algumas manifestações locais, nas últimas 48 horas, são simbólicas da celeridade com que desmorona o regime comandado por Nicolás Maduro, que há onze anos herdou o governo do falecido ditador Hugo Chávez.
Na família Maduro já se discute o que fazer depois da eleição de domingo. Nicolás Maduro Guerra, 34 anos, filho do ditador e deputado na Assembleia Nacional pelo partido chavista (PSUV), disse nesta quarta-feira (24/7) ao repórter Juan Diego Quesada, do jornal El País, que, se confirmada a derrota nas urnas, a decisão familiar já tomada: “Se [o adversário] Edmundo González ganha, entregaremos [o poder] e seremos oposição”.
Horas antes, o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, anunciou a intenção de recuo das Forças Armadas na cena política. “Estão tentando atribuir às Forças Armadas o papel de árbitro nas eleições”, disse. “O que vamos fazer? Vamos esperar a decisão do povo, transmitida pelo Conselho Nacional Eleitoral, e pronto. Quem ganhou, que comece seu projeto de governo, quem perdeu que vá embora, descansar. Isso é tudo.”
Padrino López foi nos últimos cinco anos a peça-chave de Maduro na proteção armada ao regime ditatorial. Dias atrás ganhou do chefe um novo título honorífico: “General del pueblo soberano”. Essa neutralidade, às vésperas da votação, é fato novo e relevante porque ele detém o comando efetivo de uma parte do Exército.
Padrino López não tem apoio unânime dos comandantes. O chefe do Estado-Maior Conjunto, Domingo Hernández Lárez, por exemplo, até ontem resistia na “solidariedade” ao governo Maduro e registrava em redes sociais seu desprezo pela líder da oposição María Corina Machado.
À distância, velhos aliados do regime não escondem a decepção com Maduro. O peronista Alberto Fernández, ex-presidente da Argentina, preparava-se para viajar a Caracas, onde atuaria como observador do processo eleitoral convidado pela Venezuela. Foi desconvidado por Maduro antes de chegar ao aeroporto de Buenos Aires. “A razão que me foi dada”, escreveu, “é que, a juízo daquele governo, minhas declarações públicas causaram incômodo e geraram dúvidas sobre a minha imparcialidade”. Acrescentou: “Entenderam que a coincidência com o que havia expressado um dia antes o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, resultava numa forma de desestabilização do processo eleitoral”.
Lula havia deixado claro seu incômodo em rara e suave crítica às manifestações de Maduro sobre a possibilidade de um “banho de sangue” e uma “guerra civil fraticida”, caso o governo saia derrotado nas urnas no domingo. Fernández fez coro: “Quem perde, vai embora.”
Lula tem um histórico de aliado do chavismo. Chegou a interferir algumas vezes nas campanhas eleitorais venezuelanas para apoiar Hugo Chávez. E, na sequência, Maduro. Nos dois primeiros mandatos presidenciais, mobilizou o governo e seu partido, o PT para ajudá-los a vencer a oposição.
Na eleição de 2013 ,para sucessão de Chávez, Maduro teve sua campanha eleitoral financiada (cerca de 35 milhões de dólares) pela empreiteira Odebrecht, que mantinha contratos de obras com o governo em valor superior a um bilhão de dólares. Ela pagou até os gastos com a equipe brasileira de marketing político de Maduro, indicada por Lula e parcialmente integrada por assessores petistas.
Desta vez, no entanto, Maduro recomendou a Lula que se mantenha afastado, pelo menos nas críticas públicas. Durante um comício, sugeriu que tome “chá de camomila” enquanto espera o resultado da eleição.
O desembarque dos mais antigos e fiéis aliados é outra evidência do epílogo da cleptocracia chavista.