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Informação e análise

Em silêncio

Governo emudece com as tragédias do garimpo ilegal na Amazônia

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h40 - Publicado em 2 fev 2024, 06h00

Brasília “guarda silêncio” sobre uma tragédia ambiental amazônica: a contaminação do Rio Tapajós pelo mercúrio usado no garimpo ilegal de ouro no sudoeste do Pará. A advertência é da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tribunal autônomo dos países associados à Organização dos Estados Americanos (OEA).

O envenenamento por mercúrio já representa ameaça existencial à tribo dos mundurucus, alerta a Corte Interamericana em documento enviado ao governo e ao Supremo Tribunal Federal. São 12 000 indígenas espalhados por três dezenas de aldeias às margens do Tapajós, distantes quase 2 000 quilômetros de Belém.

O tribunal exemplifica com estudos clínicos e laboratoriais conduzidos pelo neurocirurgião Erik Leonardo Jennings Simões. É um pesquisador reconhecido, típico médico da floresta baseado em Santarém (PA), onde sua família aportou por volta de 1867, em fuga da guerra civil nos Estados Unidos. Ele constatou que 99,09% dos mundurucus apresentam taxas de contaminação sanguínea muito superiores ao nível máximo admitido pela Organização Mundial da Saúde. A média encontrada foi de 67,2 microgramas de mercúrio por litro de sangue, quase sete vezes acima do padrão de tolerância da OMS.

Mais de 72% dos indígenas examinados já são portadores de sintoma físico sistêmico. Desses, 87,5% são de origem neurológica. Equipe da Corte Interamericana enviada à região, em outubro do ano passado, recebeu informações sobre recorde de pedidos de cadeiras de roda no posto de saúde local, a maioria “para crianças nascidas com má-formação cerebral”.

O Tapajós serpenteia pelo Mato Grosso e o sudoeste do Pará antes de desaguar no Rio Amazonas, na altura de Santarém, a 700 quilômetros de Belém. As aldeias mundurucus, dizem geólogos, estão assentadas em terras com ocorrência de ouro até 1 quilômetro de profundidade, produto de erupções de antigos vulcões, hoje inativos.

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Como o preço do metal no mercado mundial dobrou na última década, o garimpo ilegal multiplicou-se em toda a Amazônia, com uso excessivo de mercúrio para separar o minério de sedimentos. A exploração ainda é caracterizada como artesanal na legislação, datada dos anos 60, porém, é conduzida por empresas irregulares, com capital suficiente para adquirir aviões (2 milhões de reais), equipamentos pesados como retroescavadeiras (600 000 reais) e ainda bancar os custos operacionais na lavra.

“Governo emudece com as tragédias do garimpo ilegal na Amazônia”

Em 2019, foram apresentadas na Câmara dos Deputados estimativas de lucro em torno de 1 bilhão de dólares (5 bilhões de reais) por ano na produção e comércio ilegal de ouro na Amazônia. Esse valor parece subestimado, devido à clandestinidade dos negócios. Num exemplo do ano seguinte, a cooperativa de garimpeiros do Tapajós movimentou 543,5 milhões de reais na compra de ouro. Repassou uma parte a outra empresa, Penna e Mello (Pemex), para exportação com base em “escriturações fraudulentas”. No espaço de quinze meses, até 2021, a Pemex movimentou 693,3 milhões de reais somente na exportação de 2,3 toneladas de ouro “de origem suspeita”, como anotou em processo o juiz Gilson Vieira Filho, de Belém.

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A leniência interessada do governo Jair Bolsonaro resultou no avanço das atividades ilícitas de garimpeiros, madeireiros e grileiros nas terras dos mundurucus, no Pará, e dos ianomâmis, em Roraima.

Um ano atrás, Lula foi a Roraima ver a tragédia humanitária provocada pela invasão no pedaço da Amazônia ocupado pelos ianomâmis, que tem o tamanho de Pernambuco. Discursou anunciando medidas paliativas, mas promissoras em saúde e segurança. O governo, no entanto, embaraçou-se numa teia burocrática, entre “gabinetes interministeriais”, “comitês de crise” e “salas de situação” com dezoito órgãos federais e 233 planos “emergenciais” e “estruturantes”.

O governo segue patinando, enquanto a mineração ilegal avança, contaminando os rios da região, que abastecem de água a capital Boa Vista. A devastação na comunidade ianomâmi continua, retratada na desnutrição em quase 80% dos registros sanitários e nos casos de malária entre sete de cada dez indígenas — foram 45 mortes no ano passado, mais da metade crianças. Há, também, aumento de conflitos tribais pelo não reconhecimento de filhos de mulheres ianomâmis com garimpeiros.

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A Corte Interamericana deu prazo de três meses para o governo brasileiro apresentar um plano “com medidas concretas” para resguardar indígenas ameaçados na Amazônia. Lula precisa correr, se não quiser se arriscar a ser protagonista de um fiasco político em Belém, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em novembro do ano que vem.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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