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Informação e análise

Falta luz na conta

A energia deveria ser tema eleitoral: os brasileiros pagam uma das mais caras do mundo

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h29 - Publicado em 8 jul 2022, 06h00

Metade da população foi avisada sobre aumentos na conta de luz a partir deste semestre. Outra metade já está pagando. Os reajustes neste ano eleitoral variam de 12% em São Paulo a 24% no Ceará. Não é pouco para um país onde o gasto com eletricidade consome um quarto do orçamento de uma família.

Energia no Brasil é das mais caras do mundo. Paga-se uma das três tarifas residenciais mais altas entre 65 países, informa a Agência Internacional de Energia. É o resultado de decisões políticas paradoxais, porque o país possui fartura de água, sol, terra e gás, nas reservas do pré-sal.

Os preços domésticos aumentaram excessivamente nas últimas duas décadas: subiram (351%) muito além da inflação (de 230%) no período de 2001 a 2020, calcula o Tribunal de Contas da União.

Acender uma lâmpada no Brasil custa, em dólares, o dobro do que em países ricos, como Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, embora a renda média dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.

Metade da conta de luz nem é energia elétrica. É composição de faturas que os governos e o Congresso há décadas espetam nos bolsos dos consumidores, sob a forma de tributos, subsídios e auxílios variados, quase sempre para atender a interesses de grupos empresariais e políticos com poder de influência em Brasília.

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A maioria nem percebe, mas ao pagar a luz residencial ajuda a bancar coisas como: o deficitário complexo nuclear de Angra dos Reis, no Rio, inacabado há meio século; a obsoleta indústria de carvão de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul; a queima de diesel em geradores na Amazônia; a irrigação de lavouras para exportação; as empresas de saneamento básico e de energia eólica; a iluminação de clubes de campo e até de igrejas do interior.

“Tudo isso é feito com o seu, o meu, o nosso dinheiro, e sem a menor transparência”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, organização criada por meia centena de indústrias brasileiras que, juntas, consomem mais energia elétrica do que países como Chile, Colômbia ou Peru.

“A energia deveria ser tema eleitoral: os brasileiros pagam uma das mais caras do mundo”

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A miríade de “auxílios” fica encoberta na fatura mensal, dissimulada numa certa Conta de Desenvolvimento Energético. Ela foi “um dos principais fatores” para o aumento de 12% na conta de luz na região metropolitana de São Paulo nesta semana, explicou a concessionária Enel a 20 milhões de clientes.

É a consequência prática de políticas públicas decididas sem clareza nem coerência, a um custo crescente e com efeitos perversos — da corrosão do orçamento das famílias pobres ao incentivo à migração de fábricas e empregos para a fronteira paraguaia. Dono de metade da Usina de Itaipu, o Paraguai já atraiu duas centenas de indústrias brasileiras com a oferta de energia mais barata.

Novos custos têm sido adicionados à conta de luz, sem justificativa clara, para atender a interesses corporativos. Recentemente, o Tribunal de Contas interpelou o Ministério de Minas e Energia sobre mudanças nos custos do “risco hidrológico”, espécie de seguro para a falta de chuvas. O ministério respondeu não ter informação.

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Essa “apólice” representou um adicional de 70 bilhões de reais cobrado na conta de luz do governo Dilma Rousseff ao de Jair Bolsonaro. Em valor, é quase o dobro do pacote de emergência eleitoral em debate no Congresso. Os consumidores perderam, as empresas geradoras de energia ganharam, mesmo sem as justificativas necessárias.

A alta de preços da energia, responsável por metade da inflação que está aí, também é influenciada pelo Judiciário. Caso exemplar ocorreu em Minas Gerais. Em 2015, a mineradora Vale perdeu uma hidrelétrica no desmoronamento da sua barragem em Mariana. Por decisão judicial, no entanto, o setor público continuou remunerando a empresa pela energia “gerada” para o sistema nacional. Até o ano passado, foram pagos 400 milhões de reais pela eletricidade inexistente da usina, que permanece soterrada na lama.

A conta de luz não é tema relevante na campanha eleitoral. Deveria ser, porque é chave na inflação, alvo de histórica disputa político-partidária e de frequentes episódios de corrupção, mostram as confissões de empreiteiros na Lava-Jato.

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Além disso, a fatura é dupla. Paga-se tanto pela energia consumida em casa como, também, nas compras. Pelas contas da Abrace, hoje, quase metade (48%) do preço de 1 litro de leite e mais de um terço (34%) do quilo de carne congelada no supermercado são apenas custo de eletricidade.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797

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