Foi em Maricá, a 60 quilômetros do Rio, que o Partido dos Trabalhadores obteve uma de suas maiores vitórias: o deputado federal Washington Siqueira se elegeu prefeito com 73,4% dos votos.
Quaquá, como é conhecido, tem 53 anos, dos quais 37 de ativismo no PT. Há década e meia controla o governo da cidade, uma das mais ricas do litoral do Sudeste, plantada de frente para o supercampo de petróleo Tupi, explorado pela Petrobras com a britânica Shell, a portuguesa Galp e a chinesa Sinopec.
Personagem controverso, pouco antes da eleição quase foi expulso da vice-presidência nacional do partido porque decidiu testemunhar em defesa dos irmãos Brazão, chefes da máfia carioca acusada de matar a vereadora Marielle Franco, do PSOL, e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018. “Conheço o Domingos Brazão (líder do clã) de longa data, inclusive de campanhas eleitorais nacionais onde ele esteve do nosso lado”, justificou-se.
Ele continua polêmico no partido. Eleito prefeito, anunciou mudanças na segurança pública da cidade onde vivem 190 000 pessoas: “Não toleraremos domínio armado do território. Quem portar fuzil vai pra vala. E a palavra é esta: quem portar fuzil vai pra vala!”.
Quaquá personifica contradições visíveis na crise do PT, passível de levá-lo à fragmentação, na interpretação de alguns dirigentes. Ironia da história, porque é um caso raro de organização política bem-sucedida na redemocratização dos últimos 21 anos: venceu cinco das seis eleições presidenciais; continua no centro do poder; opera com um caixa próximo do bilhão de reais por ano; está na disputa pela prefeitura da maior cidade do país, São Paulo, e de outras quatro capitais (Porto Alegre, Fortaleza, Natal e Cuiabá).
Na teoria, os petistas divergem sobre a melhor “estratégia” para prosseguir no predomínio político, com hegemonia à esquerda. Parte acha necessária apenas uma calibragem da eficiente máquina eleitoral. Outros insistem na insuficiência, em crítica às ações do governo e do partido para liderar mudanças na sociedade rumo a um socialismo democrático, resquício de nostalgia da campanha presidencial de 1989 (Lula perdeu para Fernando Collor por 4 milhões de votos, expressiva diferença de 7 pontos percentuais).
“A cizânia entre petistas foi realçada pelo resultado do primeiro turno”
A cizânia entre petistas foi realçada pelo resultado do primeiro turno das eleições municipais. O partido ganhou 248 prefeituras e isso representa 60% menos do que possuía uma dúzia de anos atrás. Na contabilidade oficial, cresceu 37% em comparação à disputa anterior, de 2020. Sabe-se que, desde então, algumas dezenas de prefeitos trocaram de partido e migraram para o PT, atraídos pelo magnetismo do governo Lula, mas esse número não é conhecido.
O mapa eleitoral é eloquente. O PT ficou atrás do PSDB, antigo adversário que acredita estar em extinção. Perdeu na única capital onde aparecia como favorito nas pesquisas, Teresina; ficou em quinto lugar em Manaus; em sexto em Belo Horizonte; e esvaiu-se no próprio berço, a região do ABC Paulista.
É uma disputa complexa, onde se misturam interesses individuais de oito dezenas de deputados federais, nove senadores e outros 507 congressistas, inclusive petistas, todos diretamente motivados porque a solidez da base municipal é chave para a reeleição federal. Mas o PT também continua magro no Congresso, com 13% dos votos no plenário.
Oito meses atrás, Lula provocou os petistas numa reunião em São Paulo: “A gente governava praticamente 22 milhões de brasileiros, e nós perdemos todas (prefeituras)… O que aconteceu? Onde foi o erro?”.
A burocracia dirigente do partido reconheceu a nova derrota, mas, em nota pública, atribuiu a culpa ao “cenário que mais uma vez favoreceu a eleição ou reeleição de candidatos das legendas da centro-direita e direita dominantes no Congresso”.
Ocorre que esse “cenário” eleitoral de vitória dos adversários pertence ao terceiro governo Lula e à quinta administração petista em duas décadas. Os principais vencedores, que somaram 40 milhões de votos, são partidos de centro (PSD, MDB e União Brasil), integram o governo e compõem a base parlamentar de Lula.
O resultado eleitoral apenas realça a crise do PT com o próprio futuro: o que fazer a partir de 2026, com ou sem Lula. Ele poderá tentar a reeleição ou decidir se aposentar dos palanques, aos 81 anos de idade, depois de quatro décadas no ofício de candidato petista permanente. É um drama do tipo cantado por Caetano Veloso na música de José Wilson e Fernando Mendes: “Agora / Que faço eu da vida sem você? /Você não me ensinou a te esquecer…”.
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Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914