O ministro da Fazenda Fernando Haddad sugeriu que governo, Congresso e Judiciário “pactuem uma reorganização das finanças públicas”.
O resgate da ideia de “pacto” tem sido recorrente na política nas últimas quatro décadas. Principalmente, nas ocasiões em que as contas públicas sinalizam nuvens e trovoadas no horizonte da economia.
Foi o que fez Tancredo Neves à saída da ditadura, em 1985. Com a inflação em alta propôs um pacto anti-inflacionário na transição para redemocratização. Nunca deixou claro quem pagaria a conta, ou o “pato”.
Tancredo morreu presidente eleito (no Colégio Eleitoral), e quem assumiu foi o vice José Sarney. Seu governo tinha tudo para dar errado, mas dele nasceu um acordo político com o título “Compromisso com a nação” — a Constituição promulgada em 1988. Vital à democracia, não impediu a escalada inflacionária.
Um ano depois, quando Lula perdeu a eleição presidencial para Fernando Collor, a inflação beirava os 20% por mês. Collor achou que tinha “uma bala de prata” — o pacto. Confiscou poupança e investimento, fracassou, a inflação avançou e acabou deposto por corrupção.
Assumiu o vice, Itamar Franco, irascível mas negociador. Fez um governo multipartidário, com densa articulação parlamentar, e conseguiu em ano e meio o impensável, um acordo político para estabilização da moeda.
O Plano Real foi o único pacto econômico que efetivamente deu certo. E com bônus eleitoral: o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se presidente em dois mandatos, sempre no primeiro turno.
Lula perdeu duas vezes para FHC porque insistiu em ficar na oposição ao projeto que encerrou um ciclo de superinflação. Venceu em 2002 e governou por oito anos maldizendo a “herança”, mas preservando a base da política antinflacionária recebida.
Elegeu Dilma Rousseff, que atropelou-se na gestão da economia, conduziu o país a uma profunda recessão, propôs meia dúzia de pactos, fracassou em todos e acabou num quase absoluto isolamento político. Foi deposta, sob o silêncio sorridente de quase todos aliados.
O vice Michel Temer assumiu e fez o governo mais parlamentarista desde a redemocratização.
Jair Bolsonaro, o sucessor, quis governar sozinho, na metade do mandato fez um acordo de sobrevivência com partidos do Centrão, entregou-lhes o orçamento. Depois, acreditou que tinha um pacto com as Forças Armadas para um golpe de estado: perdeu a eleição para Lula e fugiu do país três dias antes do fim do mandato.
O pacto desejado por Haddad não teria sentido, pelo menos na lógica do Palácio do Planalto.
Ano passado, Lula teve o “melhor resultado na aprovação de projetos de autoria do Executivo desde 2003”, celebrou o chefe da Casa Civil, Rui Costa, na reunião ministerial do mês passado. Haddad assistiu à longa apresentação de Costa, e não contestou.
A ideia de que os Três Poderes “pactuem uma reorganização das finanças públicas” é poética como a visão do pôr-do-sol na Esplanada dos Ministérios.
Teria sentido prático se aplicada aos “três governos” existentes:
* o de Lula, que faz acordos de gastos com líderes do Congresso;
* o do PT, que aprova na Câmara e no Senado tudo o que o Ministério da Fazenda não quer e dá aval ao aumento da fila de prefeituras, governos estaduais e empresas privada ansiosas por isenções e subsídios do Tesouro;
* e o da Fazenda, que paga a fatura dos acordos e reclama das contas desequilibradas.
Haddad poderia começar esse pacto, por exemplo, numa conversa com o ministro da Previdência, Carlos Lupi, dono de visão peculiar sobre despesas públicas.
Ano passado, as contas previdenciárias fecharam no vermelho vivo de 306 bilhões de reais, com um aumento de 17% em relação a 2022. Mas isso não é problema, disse o ministro à repórter Cristiane Gercina: “Gasto com previdência não se mede com número, se mede com felicidade”.
Haddad quer um pacto. Só falta combinar com Lula, os ministros e o PT.