Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, está mais isolada no governo.
Com aval de Lula, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) combinaram repassar ao Conselho Nacional de Política Energética a decisão sobre a abertura de nova fronteira de exploração de petróleo e gás no litoral da Amazônia.
Lula se preserva no silêncio, mas liberou Costa e Silveira para o embate com Marina.
Há meses, eles atribuem ao Meio Ambiente, e mais especificamente ao Ibama, a “resistência” às atividades da Petrobras na área que a empresa apelidou de Margem Equatorial, entre o Rio Grande do Norte e o Amapá, onde planeja abrir 16 poços.
Governadores, sindicalistas da CUT, deputados e senadores — principalmente do Partido dos Trabalhadores — passaram a ecoar críticas a essa suposta “resistência”.
Resultado: Marina está sendo transformada em vilã política. Estaria impedindo a Petrobras de “incorporar novas reservas” de petróleo e gás, supostamente existentes na Margem Equatorial, em prejuízo da segurança na produção a partir de 2034, quando se prevê o fim do ciclo exploratório do pré-sal.
Os indicadores da Petrobras sobre os poços do pré-sal não deixam dúvidas sobre a probabilidade de o Brasil deixar de ser exportador e voltar a importar petróleo dentro de uma década. Mas Lula, Costa, Silveira e a nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, evitam falar sobre um aspecto relevante: as dificuldades da Petrobras em cumprir a legislação ambiental, como insiste o Ministério do Meio Ambiente.
Dias atrás, em audiência na Câmara, representantes do Ibama mostraram que o licenciamento ambiental para a perfuração de poços na foz do rio Amazonas (Bloco FZA-M-59) começou há dez anos, com um pedido da petroleira britânica BP Energy. Ela passou os seis anos seguintes apresentando documentos incompletos. Depois, desistiu da área.
A Petrobras assumiu o bloco da BP Energy em 2020. Ano passado, estacionou uma sonda na área para pressionar os órgão ambientais. Gastou cerca de um milhão de dólares por dia, durante seis meses. Em dezembro passado recolheu o navio à bacia de Campos.
Depois de meia dúzia de revisões nos estudos de impacto ambiental da Petrobras, o Ibama negou-lhe a licença. E pediu à empresa documentos complementares, pendentes há quatro anos (um deles, a “nova base hidrodinâmica”, não havia sido entregue até o início deste mês). Pediu, também, que fossem atendidas as solicitações da Funai antes de um reexame do pedido de licenciamento.
Na essência, o que está ocorrendo é um jogo político, com aval de Lula, para atropelar o Ministério do Meio Ambiente e apressar autorização à Petrobras na abertura de poços na foz do rio Amazonas.
A saída estudada, no momento, é suprir as eventuais deficiências da Petrobras em aspectos ambientais com a diluição do poder e da autoridade do Ministério do Meio Ambiente no plenário do Conselho Nacional de Política Energética.
É uma instância burocrática vinculada à presidência da República que se reúne uma vez por ano. Tem encontro marcado para a quarta-feira 4 de dezembro, daqui a sete meses, mas nada impede uma convocação extraordinária.
Possui 18 integrantes: 16 ministérios, entre eles Meio Ambiente, a Empresa de Pesquisa Energética e uma representação das secretaria estaduais de Minas e Energia. Suas decisões dependem de maioria. Na sequência, a deliberação “sai assinada pelo presidente da República”, como fez questão de lembrar a nova presidente da Petrobras ao tomar posse.
No Palácio do Planalto imagina-se que a transformação desse impasse ambiental amazônico em questão de segurança nacional seria uma saída política confortável. Supõe-se que mitigaria danos à imagem do governo Lula, que pretende fazer da Amazônia uma espécie de vitrine diplomática na conferência ambiental da ONU, no próximo ano.
A reação de Marina Silva vai determinar o rumo desse novo episódio de intrigas palacianas.
O próprio Lula executou manobra parecida, em maio de 2008, quando atropelou a mesma ministra do Meio Ambiente diante de empresários numa reunião sobre a Amazônia. No dia seguinte, estava numa recepção do Itamaraty, quando foi informado que, de Pequim à Patagônia, noticiava-se a renúncia da ministra — Lula foi o último a saber.
Desta vez, o problema vai além do desfecho dessa nova crise fomentada no Planalto. Com ou sem Marina no ministério, Lula está refém de uma situação que ele mesmo criou: a opção preferencial do governo pela expansão da economia baseada em combustíveis fósseis.
O carimbo “segurança nacional” pode ser uma via rápida para resolver o conflito palaciano, legitimar a ampliação dos investimentos em petróleo, e, também, o aumento dos subsídios estatais às fábricas de veículos movidos a derivados do óleo (elas ainda não têm poder para competir no mercado mundial de carros elétricos). Mas o problema central vai continuar lá, na mesa de Lula.