Lula desperdiça ideias e oportunidades na reforma ministerial
Seis em cada dez brasileiros querem montar o próprio negócio, mas governo cria Ministério do Empreendedorismo como moeda de troca no Congresso
A novidade de Lula na reforma ministerial é a ampliação do número de ministros, confirmada nesta quarta-feira (6/9). Em Brasília, haverá um Ministério do Empreendedorismo, Cooperativismo e Economia Criativa. Será o 38º na estrutura de governo.
É possível que seja entregue a Marcio França, ex-governador de São Paulo e um dos representantes do PSB no governo, atualmente na chefia do Ministério dos Portos e Aeroportos — o nome do órgão é insólito, mas o Brasil já teve até Ministério da Irrigação (governo Sarney).
Quantidade não significa qualidade, mas pode indicar dificuldade. A última reunião ministerial teve mais de seis horas de discursos, e, como é habitual em governos congestionados por interesses políticos conflitantes, resultou em quase nada. A próxima será mais longa.
Lula patina nas negociações com o grupo do Centrão de Arthur Lira, presidente da Câmara, porque teme ficar refém da coalizão de centro-direita que enlaçou Jair Bolsonaro no governo e dele conserva distância desde o primeiro turno da eleição presidencial.
Viciado no modo de fazer política de duas décadas atrás e concentrado no jogo de poder dentro do Congresso, Lula poderá garantir a maioria legislativa que deseja, mas desperdiça oportunidades.
É o caso do “empreendedorismo”. A palavra é esquisita, mas o tema passou a ser central na lista de desejos do eleitorado: ser dono do próprio negócio é sonho de seis em cada dez brasileiros, mostra pesquisa divulgada em maio pelo Sebrae e pela Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe), com base na análise de 2 mil entrevistas realizadas no ano passado.
Várias outras sondagens confirmam a tendência. A cada ano aumenta o número de adultos motivados a apostar em negócios próprios, com vontade expressa de se tornar empresário.
Em 2016, o Partido dos Trabalhadores confirmou esse movimento nas favelas da periferia de São Paulo. A Fundação Perseu Abramo passou três meses analisando grupos de eleitores compostos em mais de um terço por beneficiários de programas sociais moldados em governos petistas (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Prouni e Fies).
Os resultados eliminavam dúvidas, se existiam. “A noção de empreendedorismo é muito presente em todas as narrativas”, notaram os pesquisadores. “Aparece com um duplo significado: como sinônimo de empresário (‘ser empreendedor é ser patrão’) e como produzir algo de forma autônoma. Nesse sentido, muitos daqueles que são trabalhadores do mercado informal ou trabalhadores por conta própria se autodefinem como empreendedores. É o ‘Faça por si Mesmo’”. Acrescentaram: “O empreendedorismo é muito valorizado. Está associado a histórias de ascensão social bem-sucedidas e, também, remete à liberdade ‘de ser dono do próprio nariz e não dever satisfações a ninguém'”.
As reflexões dos moradores da periferia paulistana e suas aspirações capitalistas não tiveram eco no PT, na época focado na campanha para libertação de Lula, preso em Curitiba. Bolsonaro tateou o tema na disputa de 2018, e venceu.
As ideias captadas na pesquisa da fundação petista no final de 2016 são coerentes com as ansiedades de 60% dos brasileiros entrevistados na sondagem do Sebrae e da Anegpe, cinco anos depois.
Lula não tratou do tema na campanha nem no início do governo. Agora decidiu criar um ministério específico, não pela importância que os eleitores atribuem ao assunto, mas porque deseja trocar cargos e verbas no governo por alianças incertas no Congresso. Tenta reproduzir hoje o modo de fazer política de ontem de olho na eleição de amanhã. É uma questão de escolha de prioridades.