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Lula e El Loco

Intervenção do Brasil na guerra eleitoral argentina tem custo

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h17 - Publicado em 20 out 2023, 06h00
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  • — Ele está mais “louquito” que o Bolsonaro — disse Lula sobre Javier Milei, candidato da extrema direita na eleição presidencial da Argentina. O governista Sergio Massa, ministro da Economia, gostou da ironia sobre o adversário que é conhecido como El Loco.

    — Deixa de procurar dólares e vá atrás de votos — insistiu Lula, como relatou Massa a jornalistas na viagem de volta a Buenos Aires naquela quente e seca segunda-feira 28 de agosto.

    — Todos estão trabalhando? Eles sabem da importância do que têm pela frente? Se a direita ganhar será um retrocesso de quarenta anos na América Latina…

    — Sim, presidente. Estão todos trabalhando — respondeu Massa, anotou a repórter Melisa Molina.

    — Faça o que tiver que fazer, mas ganhe — retrucou incisivo, com a experiência de três vitórias em 34 anos de disputas presidenciais.

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    Lula apostou no candidato do condomínio peronista, desde o início rachado na luta por espaços de poder entre o presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner. Perdeu com eles na primeira rodada, a eleição prévia de agosto, quando os dois principais candidatos da oposição somaram dois terços do eleitorado. Massa ficou em terceiro lugar, com 27% dos votos.

    Se Massa perder a eleição, Lula estará com um sério problema na política externa, já convulsionada pelas guerras da Rússia e de Israel: a vizinha Argentina terá um novo governo, que há meses ele hostiliza e qualifica como ameaça de “retrocesso de quarenta anos na América Latina” — seja do “louquito” Milei ou da conservadora Patricia Bullrich, aliada do ex-­presidente Mauricio Macri. Sem Massa no páreo, um deles assumiria a Presidência no dia 10 de dezembro.

    Lula entrou conscientemente num jogo de alto risco ao se meter na campanha do peronismo. Ano passado, pediu ao embaixador argentino Daniel Scioli informações e uma coletânea de discursos do então deputado Milei. “Me surpreendeu”, registrou Scioli em livro de memórias. “Me disse que as pessoas estavam muito decepcionadas com a política, que entre os jovens o ‘voto de rebeldia’ estava sólido e entendia que, para muitos deles, Milei os representava.”

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    “Intervenção do Brasil na guerra eleitoral argentina tem custo”

    O peronismo é o conglomerado político mais complexo da história, na bem-humorada definição do diplomata Marcos Azambuja. Aos 78 anos, esse movimento exibe inédita fragilidade. A implosão da organização sindical do trabalho, origem e base da sua eficiente máquina eleitoral, fragmentou um eleitorado cujo comportamento se mantinha homogêneo desde a formatação, em outubro de 1945, sob o poder absoluto do coronel do Exército Juan Domingo Perón.

    Apatia e deserção alentaram o antiperonismo. Foram os pobres que impulsionaram Milei e Bullrich no voto de rebeldia contra a degradação social e econômica. O candidato Massa é ministro da Economia de um país com aumento recorde na produção de pobreza (40% da população) e, paradoxalmente, no gasto público em subsídios às despesas familiares com energia, transporte, saúde e educação. A hiperinflação é apenas expressão matemática de um desajuste político. Os preços já não descrevem os riscos no descontrole do presente, embutem o medo coletivo sobre o futu­ro. Em ação “preventiva”, por exemplo, empresas de alimentos e bebidas anunciam aumentos acima de 30% para o dia seguinte à eleição, não importa o vencedor.

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    Lula jogou com o peso do Brasil numa intervenção eleitoral na Argentina. Produziu com Fernández uma espécie de “plano de governo binacional”, registrou em livro o embaixador Scioli. Pediu ajuda financeira à China, aos Estados Unidos e aos governos que integram o clube do Brics. Foi a Paris insinuar, em discurso, um conluio para corrupção entre o ex-presidente Macri, patrono da candidatura de Bullrich, e o FMI: “À Argentina, da forma mais irresponsável, o FMI emprestou 44 bilhões de dólares a um senhor (Macri) que era o presidente, e não se sabe o que (ele) fez com o dinheiro”. Na sequência, como relatou a repórter Vera Rosa, mobilizou a Corporação Andina de Fomento, onde o Brasil tem voz e voto, e o Banco do Brasil numa bilionária operação de socorro ao governo argentino. E enviou assessores de campanhas petistas a Buenos Aires para “ajudar na comunicação” do candidato Massa.

    Ele atravessou a fronteira sul e atropelou os manuais de prudência política e diplomática para fazer aquilo que, muito provavelmente, condenaria com veemência se qualquer governo estrangeiro fizesse no seu país: tomou partido na guerra eleitoral dos argentinos. O tango de Lula pode custar caro ao Brasil.

    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864

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