Fernando Haddad, ministro da Fazenda, deveria ouvir menos Lula, Rui Costa e Alexandre Padilha e ler mais Will Rogers.
O humorista americano William Penn Adair Rogers (1879-1935) foi um dos pioneiros da comédia stand-up, na primeira metade do século passado.
É considerado inventor casual do gênero por gente como o irreverentíssimo Marcelo Madureira, ex-Casseta e ex-Planeta Diário — não necessariamente nessa ordem.
Rogers dizia que não fazia piadas: “Apenas observo o governo e reporto os fatos.”
Seus textos podem servir de bálsamo para Haddad em meio à confusão armada com o Congresso sobre um tema áspero, a redução de tributos na folha de pagamentos de empresas e de prefeituras — fatura estimada em R$ 15 bilhões para os cofres governamentais.
É possível até que, depois da leitura de Rogers, o ministro da Fazenda comece a acreditar que seus problemas acabaram. Isso porque ele fornece pistas sobre a gênese de intrigas políticas como a última no Palácio do Planalto e no PT contra Haddad: ele foi escolhido como “culpado” pelo fracasso que se desenha para o governo nessa nova crise com o Congresso.
Haddad queria, justificadamente, fazer uma limpeza nos descontos e isenções tributárias. O Congresso achou conveniente prorrogar por mais três anos — ou seja, até o próximo Congresso — a redução de impostos instituída no governo Dilma Rousseff para 17 segmentos da economia, empregadores intensivos.
Em meados do ano passado, Câmara e Senado aprovaram um projeto de lei (nº 334) legitimando a prorrogação — com o voto dos partidos governistas. E incluíram na cesta de benefícios as prefeituras municipais. Por coincidência, este é um ano de eleição ( e de reeleição) de prefeitos e vereadores em 5.570 cidades.
Lula, por motivos diversos aos de Haddad, não gostou. Com aplausos dos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, resolveu dobrar a aposta: vetou integralmente a iniciativa legislativa.
O Congresso discordou. Derrubou o veto. E então, Lula, Haddad, Costa e Padilha retrucaram. Produziram uma Medida Provisória (nº 1.202) derrubando o veto do Legislativo ao veto presidencial.
O Congresso reagiu, de novo. Revogou partes da Medida Provisória e garantiu a continuidade do desconto nos impostos para empresas e prefeituras. Mas deixou uma porta aberta: a possibilidade de negociação com o governo em cima de um outro projeto de lei (nº 493) que está em marcha lenta na Câmara.
Lula resolveu insistir, para “enquadrar” o Legislativo. Pediu socorro ao Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, conseguiu em 24 horas uma liminar suspendendo a decisão do Congresso. Nesta segunda-feira (29/4) já contava com cinco votos favoráveis — faltando apenas um para vencer.
No fim de semana, porém, Lula, Haddad, Costa e Padilha começaram a antever a possibilidade dessa vitória de R$ 15 bilhões no Judiciário vir a custar derrotas muito mais valiosas no Congresso.
Seria péssimo para um governo que encerrou 2023 com o melhor resultado das últimas duas décadas em aprovações no Legislativo, como disse o chefe da Casa Civil na reunião ministerial de março,
No powerpoint apresentado por Costa, o Senado e a Câmara avalizaram quatro em cada dez iniciativas do governo — “bem mais que em 2003”, lembrou.
A relativa calmaria no Congresso é o que está em jogo, hoje, valendo para a segunda metade do governo Lula.
A inutilidade da crise, na qual senadores e deputados disseram “não” ao governo por quatro vezes seguidas, no último bimestre de 2023, pode ser aferida pelas conversas das últimas 96 horas dirigidas à “construção” de uma “saída política”.
Como sempre acontece nessas horas críticas, a “culpa” deverá ser partilhada entre alguns dos envolvidos. No governo já foram escolhidos dois candidatos: “Fernando” e “Haddad”, ambos com endereço no Ministério da Fazenda.
Will Rogers já tratou de casos assim. “Mesmo estando no caminho certo, você vai ser atropelado se ficar parado nele”, diagnosticou.
Em “Políticos, pernósticos & lunáticos” há uma seleta de textos centenários de Rogers que ajudam na reflexão sobre o pandemônio político pós-pandemia, seja em Washington ou em Brasília. Vale a leitura.