O sonho de consumo de Lula é construir uma “Lulabrás”. Nas suas palavras: “O que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É só isso que nós queremos”.
Ainda não se conhece esse “pensamento de desenvolvimento”. Como não foi apresentado na campanha eleitoral de 2022 nem nos primeiros catorze meses de governo, talvez venha a público nos próximos 46 meses de governo. Por enquanto, existem apenas sinalizações sobre futuras políticas setoriais.
É o caso da “neoindustrialização”, com a renovação de incentivos fiscais às montadoras de automóveis e a disposição do BNDES em apostar em outro “polo naval” — o quarto, depois de três fracassos nas últimas seis décadas.
É, também, o caso da anunciada “nova política mineral”. O governo dispõe de um estoque de 70 mil áreas para pesquisa, exploração e lavra que pretende leiloar, mas tropeça nas próprias mazelas: a estrutura operacional da Agência Nacional de Mineração é do tempo do papel, inoperante na era digital.
Outro grande impasse governamental é com o petróleo. A Petrobras prevê declínio na produção dos poços do pré-sal do Sudeste na próxima década. Existe a possibilidade de novos e grandes achados no pré-sal da bacia do Amazonas, na chamada margem equatorial (do Rio Grande do Norte ao Amapá).
Mas o governo joga com o tempo. Devaneia à espera de encontrar um ponto de equilíbrio entre a ambição diplomática de liderar a transição energética em bases sustentáveis e a abertura da Amazônia como uma nova fronteira de exploração de petróleo.
Surpreendido com o avanço institucional do Congresso e a consequente perda de poder do governo em relação ao de que dispunha quando presidiu por oito anos seguidos, no início do milênio, Lula topou com a realidade de uma estreita margem de manobra na economia. Por isso, julga necessário alinhar “as empresas brasileiras” àquilo que, precariamente, define como “pensamento de desenvolvimento do governo”.
Transformou a Petrobras (receita anual de cerca de 600 bilhões de reais) em alvo no palanque eleitoral, e, por ironia, com propostas de intervenção na gestão parecidas com as do adversário, Jair Bolsonaro. No Palácio do Planalto, a “questão Petrobras” é dada como resolvida, fato consumado no 14º mês de governo.
Segue pendente a reversão da privatização da Eletrobras (vendas anuais em torno de 30 bilhões de reais). “O pessoal fica nervoso porque o Lula, sabe, denuncia a privatização da Eletrobras”, disse o presidente ao repórter Kennedy Alencar, referindo-se à perda de poder governamental na gestão. “O que fizeram na Eletrobras foi crime de lesa-pátria.” Por enquanto, não há perspectiva de reversão na privatização nos termos desejados pelo governo.
A Vale no alvo do governo
No alvo, agora, está a Vale (faturamento em torno de 400 bilhões de reais). Sobram críticas: “O que nós queremos é que a Vale tenha mais responsabilidade, inclusive a quantidade de minas que está na mão da Vale e que ela não explora há mais de trinta anos e fica funcionando como se fosse dona e vendendo. A Vale, ultimamente, está vendendo mais ativo do que produzindo o minério de ferro. E ela está perdendo o jogo para algumas empresas australianas”.
Sobram, também, acusações: “A Vale não explica para a sociedade brasileira o compromisso dela com a empresa da Guiné-Conacri [a BSGR, do bilionário israelense Beny Steinmetz]. Ela não explica por que desistiram de uma ação de 500 milhões de dólares porque a parte contrária descobriu que o diretor da Vale estava envolvido na corrupção e eles preferiram abandonar o processo. E a Vale não explica por que ela desistiu da mina [de carvão] de Moatize, em Moçambique, que foi um esforço para a gente conseguir.”
Duas décadas atrás, quando o mundo era outro, ele quis impor seus planos à Vale, na época comandada por Roger Agnelli, executivo da empresa de investimentos do grupo Bradesco: “O que aconteceu na saída do Roger? A gente estava tentando reconstruir a indústria naval brasileira [o terceiro polo naval, que naufragou na corrupção na Petrobras]. A gente estava tentando construir e a gente queria construir navios grandes. De repente, a Vale vai e contrata três grandes navios de 400 mil toneladas da China. Aí eu chamei o Lázaro Brandão, que era o presidente do Bradesco, e eu falei: ‘Não é possível mais a gente estar fazendo uma política industrial de construir uma indústria naval e o cidadão [Agnelli] de uma empresa como a Vale não vai comprar’. Então tiramos ele”.
Ele tem planos para submeter Petrobras, Eletrobras e Vale, entre outras empresas, ao “pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”. Lula sonha com uma “Lulabrás”.