Música de protesto embala conflito entre líderes do Uruguai e de Cuba
Lacalle Pou desafiou Díaz-Canel em reunião recitando versos de "Patria y Vida", canção proscrita pelo governo cubano que virou hino pela democracia em Cuba
Reuniões de chefes de Estado são rituais diplomáticos combinados com muita antecedência e sem margem para surpresas. A do fim de semana na Cidade do México foi diferente.
Luis Alberto Lacalle Pou, presidente do Uruguai, expôs a repressão policial e as violações de direitos humanos em Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Desafiou abertamente os líderes de regimes autoritários Miguel Díaz-Canel (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua), e Nicolás Maduro (Venezuela), cuja captura vale prêmio de US$ 15 milhões oferecido pelas procuradorias criminais de Nova York e da Flórida, onde é acusado de narcotráfico.
“Estar aqui não significa ser complacente”, disse Lacalle Pou. “Com devido respeito, quando se vê que em determinados países não há democracia plena; quando não se respeita a separação de Poderes; quando se utiliza o aparato repressor para silenciar os protestos; quando se prendem opositores; e quando não se respeitam os direitos humanos, nós, de maneira tranquila mas firme, devemos dizer que vemos com grave preocupação o que está ocorrendo em Cuba, Nicarágua e Venezuela.”
Provocou alvoroço no salão do Palácio Nacional, onde o presidente mexicano Manuel López Obrador reunira 32 governantes da região — o Brasil não participou, porque saiu da Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac) no ano passado. Os presidentes do Paraguai, Mario Abdo, e do Equador, Guillermo Lasso, se animaram e, também, cobraram liberdade e democracia para cubanos, nicaraguenses e venezuelanos.
O uruguaio despertou a ira do cubano Díaz-Canel. Seguiu-se um confronto verbal. O presidente de Cuba retrucou com críticas ao perfil liberal do governo do Uruguai. E mencionou um recente manifesto da oposição em Montevidéu contra as “reformas neoliberais”.
Lacalle Pou surfou na réplica: “No meu país, por sorte, a oposição pode se reunir e assinar manifestos. No meu país, a oposição tem espaços democráticos para se queixar. Essa é a grande diferença nossa com o regime cubano.”
Arrematou recitando versos de uma canção proscrita pelo governo Díaz-Canel, que se tornou hino nos protestos de junho em Havana:
“Chega de derramamento de sangue
Por querer pensar diferente
Quem disse que Cuba pertence a você
Se minha Cuba pertence à minha gente.”
A música é uma obra de arte política, subversiva desde o título. “Patria y Vida” é uma contrafação de “Patria o muerte!”, frase dita por Fidel Castro em 1960, depois da vitória revolucionária, e adotada como estandarte pelo governo cubano [clique aqui para assistir ao videoclip dos músicos cubanos Yotuel Romero, Descemer Bueno, Maykel Osorbo, El Funky e o grupo Gente de Zona]
Visivelmente nervoso, o presidente de Cuba se refugiou numa censura pública ao “muy mal gusto musical” de Lacalle Pou.
Lançada há seis meses, “Patria y Vida” deu à oposição cubana aquilo que procurava há seis décadas — um hino de esperança na democracia. A arte continua a ser uma poderosa arma contra ditaduras.