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É preciso iluminar os porões da política para conter o crime organizado

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h15 - Publicado em 27 out 2023, 06h00

O crime organizado avança no Brasil que Lula governa pela terceira vez nos últimos vinte anos. Ele voltou ao poder há dez meses com projetos para reformar a ONU, acabar com as guerras e a fome, salvar a Amazônia e o Mercosul, mas ainda não encontrou um plano para lidar com a insegurança pública em um dos lugares mais letais do planeta, onde 47 000 pessoas foram assassinadas no ano passado.

— Quando fiz a campanha, eu ia criar o Ministério da Segurança Pública — lembrou na terça-feira (24/10), o dia seguinte em que milícias incendiaram 35 ônibus, um trem e dominaram bairros da Zona Oeste do Rio, moradia de quatro em cada dez cariocas.

— Ainda estou pensando em criar — disse divagando ao repórter Marcos Uchôa, da rede estatal de rádio e televisão. — Estou pensando quais são as condições, como é que vai interagir com a questão de segurança do Estado…

Completou: — …Porque o problema da segurança é estadual.

Deixou de ser há muito tempo, comprovam os mapas do aumento de mortes violentas de Norte a Sul (Amazonas ao Rio) e de Leste a Oeste (Bahia ao Acre).

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Lula estava no Palácio do Planalto em 2005, quando a repórter Vera Araújo registrou em O Globo o nascimento do primeiro grupo de policiais vendendo proteção a moradores do Rio. Cobravam “doações” para manter o narcotráfico fora das ruas de Jacarepaguá, na Zona Oeste. Ocupado em sobreviver à crise do mensalão para se reeleger no ano seguinte, manteve-se equidistante do referendo daquele 23 de outubro: 63% dos eleitores rejeitaram a proibição do comércio de armas no país.

Dezoito anos depois, estava no Rio consternado com a 24ª morte de criança na rotina de mais de 400 tiroteios por ano em volta de escolas da região metropolitana. Era agosto, e Lula discursou: — O crime organizado está tomando conta do país.

O Rio é apenas a vitrine cosmopolita do avanço do crime organizado no país que ele governa. Moderna tradução do estado miliciano, condensa a versão tropicalizada da guerra dos cartéis mexicanos pelo domínio de comunidades relevantes na logística do contrabando de drogas, cigarros e armas, e na exploração de serviços de construção, transporte, gás, luz, televisão a cabo e internet.

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“É preciso iluminar os porões da política para conter o crime organizado”

É o lugar onde mais florescem grupos armados sob patrocínio estatal, na simbiose de máfias de policiais e de narcotraficantes com grupos políticos beneficiários. Avançam não apenas em territórios marcados pela ausência do Estado, mas, também, em espaços institucionais — governo, Legislativo e Judiciário. Há poucos meses, um ex-chefe da polícia fluminense (2009-2011 e 2020-2022), Allan Turnowski, estava em campanha para se eleger deputado federal pela fração bolsonarista do Partido Liberal quando foi preso como agente duplo, acusado de servir à lei e ao crime.

Prevalece a cegueira deliberada. O governo federal empurra o problema da insegurança pública para os governos estaduais, que devolvem com a cobrança de mais vigilância e repressão nos 15 000 quilômetros de fronteira seca com dez países vizinhos na América do Sul. Nesse vácuo, o “PIB do crime” se expande, com narcomilícias virando empregadoras relevantes na periferia das cidades do Rio, da Bahia e da Amazônia.

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Gasta-se muito dinheiro público, cerca de meio bilhão de reais em softwares para espionagem supostamente legalizada, mas não há banco de dados nacional sobre o crime organizado. A Polícia Federal monitora os corredores logísticos entre o Brasil, Paraguai, Bolívia e o Peru, cujo controle garantiu ao PCC e ao Comando Vermelho status de máfias transnacionais. As ações sobre as finanças das máfias, no entanto, são episódicas.

Não falta informação. Em abril do ano passado, o governo do Paraguai enviou aos Estados Unidos um relatório (MARA041922IE) sobre a lavanderia de dinheiro do ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, classificado em documentos americanos como “significativamente corrupto”, com o sócio brasileiro Dario Messer, preso na Lava-Jato. Num trecho, realça comunicado da Espanha sobre o obscuro fluxo de 121 milhões de dólares, equivalentes a 600 milhões de reais, do banco paraguaio Amambay, propriedade de Cartes, para contas no espanhol Santander, depois de escala no brasileiro Banco Paulista.

Para conter o avanço do crime organizado é preciso iluminar os porões da política nacional e dos vínculos com parte das elites de países vizinhos. A alternativa é a cegueira deliberada. O problema, nesse caso, é a realidade. Ela não deixa de existir, mesmo quando ignorada.

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865

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