Sete em cada dez brasileiros podem votar no domingo, dia 2. São 156 milhões numa população de 213 milhões. É evidência do rápido envelhecimento do país.
Trinta anos atrás, pouco mais da metade (55%) da população tinha idade para ir às urnas. Foi na primeira eleição presidencial direta do ciclo pós-ditadura, quando Fernando Collor derrotou Lula. Eram 82 milhões de eleitores entre 148 milhões de habitantes.
Entre as primaveras de 1989 e de 2022 houve uma significativa mudança no tamanho das famílias, com redução do número de filhos à metade — de quatro para dois, na média. O país fez em três décadas uma transição demográfica que na Europa e na Ásia levou-se um século para realizar.
Quando Lula estreou no ofício de candidato presidencial do PT, contra Collor, eram notáveis as similaridades no estágio de desenvolvimento nacional com o da China, da Índia, da Coreia do Sul e da Espanha, por exemplo. O tempo passou na janela do Brasil, que ficou estagnado na economia e aprisionado numa lógica de atraso social mensurável nos portões das escolas de ensino básico.
O país perdeu a batalha pela modernidade por deficiências na educação. Por dois séculos, preferiu perseverar num histórico singular de mais fracassos do que acertos na política educacional, sem dar prioridade ao acesso e à qualidade do sistema básico de ensino.
O resultado está aí: 80 milhões, metade dos que vão às urnas, não chegaram ao final do ciclo médio educacional; e sete de cada dez desses eleitores sequer concluíram o fundamental.
Alguns avanços foram relevantes e são inegáveis. Mas, se houve, por exemplo, uma redução genérica do analfabetismo, não ocorreu mudança estrutural no padrão de qualidade do ensino. Evoluiu-se da completa ignorância na leitura e em cálculo, em 80% da população no início do século passado, para um terço de adultos acorrentado no analfabetismo rudimentar.
Na eleição de 2018, uma parcela de 29% da população com mais de 15 anos era considerada analfabeta funcional, com capacidade limitada à localização de informações explícitas em textos curtos e a cálculos matemáticos simples.
“Lula e Bolsonaro não entenderam: sem educação não haverá travessia”
O recorte é simbólico da crise nacional num mundo em que a sofisticação tecnológica moldou um mercado de trabalho exigente em pensamento crítico e criatividade. De cada 100 brasileiros adultos, vinte têm acesso à universidade. Outros oitenta simplesmente não possuem identidade social “por puro preconceito escravocrata com a educação profissionalizante”, como diz Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Pesquisadores como ele consideram ser essa a principal razão do último meio século de estagnação da produtividade do trabalho, expressa na necessidade atual de quatro brasileiros para alcançar a produtividade média de um coreano ou americano na mesma função.
“Como sistema, nunca tivemos educação de qualidade”, escreve Antônio Gois, no livro O Ponto a que Chegamos, excelente exumação dos fracassos nas políticas educacionais recentes. “A extrema desigualdade em nosso ponto de partida como nação é elemento-chave para entender por que educação nunca foi, na prática, prioridade das elites dirigentes.”
Se já era grave, a situação no ensino básico se tornou catastrófica na pandemia que está acabando, mas ainda não terminou. Nos últimos quarenta meses, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos que não sabiam ler e escrever — informa a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados com base em dados coletados pelo IBGE. Eram 1,4 milhão, agora são 2,4 milhões.
A desigualdade cresceu muito. Nas famílias mais pobres, a proporção de crianças que não sabiam ler e escrever subiu de 33% em 2019 para 51% no último trimestre. Nas mais ricas o aumento foi de 11% para 16%.
Sem ações emergenciais, coordenadas com os estados, consistentes e de resultados eficazes, o governo que será eleito em outubro corre o risco de terminar com o legado de uma geração de brasileiros sem educação básica adequada, numa definição elegante. O perigo é real, levando-se em conta o deserto de ideias da campanha, com a dupla de líderes nas pesquisas preferindo se refugiar na estridência de acusações mútuas e no protocolo de propostas ambíguas para o eleitorado.
Lula e Jair Bolsonaro, aparentemente, ainda não entenderam que, sem a educação no centro das decisões políticas, o Brasil tende a continuar sendo o mais antigo país do futuro.
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Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808