Há uma preciosidade na rede, músicas inéditas do baiano João Gilberto em duo com Astrud Gilberto, coletadas pelo Instituto Moreira Salles.
Quem gosta deve escutar, quem não gosta também deveria, até para conhecer um pouco do que ocorre na produção de um clássico. E são vários.
Um deles é Brigas, nunca mais, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, lançada em 1959 no disco Chega de Saudade, a decolagem da bossa nova. É possível ouvir a crítica do intérprete João: “Essa letra pode não ser profunda, mas os sons das palavras são bons.”
Outro é Doralice, de Dorival Caymmi e Antônio Almeida, regravada no disco Getz/Gilberto, lançado em 1964, quando o Brasil submergia num golpe militar.
João Gilberto estava em Manhattan, epicentro de um mundo em Guerra Fria, e Jair Bolsonaro era apenas um garoto descalço nas ruas de Ribeira (SP), a oito mil quilômetros de distância.
Numa segunda-feira, conta Ruy Castro em “Chega de saudade”, cinco homens e uma mulher entraram no 112-Oeste da Rua 48, Nova York.
Há meses, Astrud Gilberto (voz), Antonio Carlos Jobim (piano), Tião Neto (baixo), Milton Banana (bateria), João Gilberto (violão) e Stan Getz (sax) lutavam para apresentar a bossa nova ao público.
Nos ensaios faltou sintonia entre Getz e João. O baiano de Juazeiro explodiu: “Tom, diga a esse gringo que ele é burro.”
O carioca Jobim ouviu, virou-se para Getz e traduziu: “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você.”
Foi um dos grandes momentos da diplomacia brasileira: o disco “Getz/Gilberto” abriu o mercado dos EUA e da Europa para a bossa nova.
Bolsonaro não possui átomo da genialidade diplomática de Jobim. Nem se espera que ouça — ou goste— de João Gilberto, Tom Jobim, Stan Getz ou de bossa nova.
Mas seria um poeta se guardasse silêncio sobre a China, o Partido Democrata, a França, a Alemanha… até o último dia do seu mandato na presidência. Ajudaria os profissionais do Itamaraty com o som e o valor do seu silêncio na política externa.