Lula deu uma recepção calorosa ao seu amigo Alberto Fernández, nesta terça-feira em Brasília.
Ele preside uma Argentina que, mais uma vez, está à beira do colapso econômico e político.
O país vai terminar a semana sem caixa suficiente para pagar dez dias de importações — as reservas (líquidas) do país estão estimadas em pouco mais de 1 bilhão de dólares.
Crises por escassez de dólares e de crédito externo não são novidade para argentinos com até 70 anos de idade. Em vida, eles já assistiram à assinatura de 23 acordos emergenciais do seu país com o Fundo Monetário Internacional.
Hoje, a Argentina é o maior devedor do FMI. Tomou emprestados 46 bilhões de dólares. É mais que a soma dos outros quatro maiores devedores do Fundo (Egito, Ucrânia, Equador e Paquistão).
Fernández reclamou do capitalismo, Lula culpou o FMI pela crise capitaneada pelo amigo e prometeu telefonar para a sede do Fundo, em Washington: “Vou falar com o FMI para tirar a faca do seu pescoço”.
Ambos sonham com o auxílio de uma China supostamente interessada em provocar os EUA no Cone Sul. Mas sabem que as prioridades de Pequim na região nos últimos três anos foram substituir o Brasil como principal fornecedor de produtos industrializados do Mercosul; ampliar a dependência brasileira nas vendas para o mercado chinês, e aumentar a dependência financeira argentina da moeda chinesa.
A ajuda chinesa está a caminho, Lula avisou: “Falei com a Dilma” [presidente do banco de desenvolvimento do BRICS]. No fim do mês, anunciou, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai à reunião do banco, em Xangai, para “sensibilizar o coração” do governo chinês: “Não é nem emprestar dinheiro para a Argentina. Nós queremos que eles nos deem garantia, que aí facilita muito a relação do Brasil com a Argentina”.
Lula quer socorrer o governo do amigo argentino, mas precisa de garantias que ele não tem e só Pequim ou Washington podem dar.
Restam a Fernández sete meses de mandato. Sem dinheiro e sem crédito, comanda um país estressado pela hiperinflação (atualmente, 104% ao ano).
Isolado no próprio partido, e sob férrea oposição da vice-presidente Cristina Kirchner, principal eleitora peronista, foi obrigado a renunciar à disputa pela reeleição.
Deve presidir uma histórica derrota eleitoral do peronismo em dezembro, indicam as pesquisas. Já assiste à inédita ascensão da extrema direita, cujo candidato, Javier Milei, chegou a 35% da preferência dos eleitores com menos de 30 anos de idade.
Fernández vai precisar de sorte para completar o mandato e escapar de um epílogo antecipado, como ocorreu com o ex-presidente Fernando de la Rúa. Em 2001, a hiperinflação fez a Argentina ter cinco presidentes na semana entre o Natal e o réveillon.
Retorna a Brasília no final deste mês para um “retiro” de presidentes do Mercosul organizado por Lula.
Voltará a bordo do novo avião presidencial, um Boeing 757-200 de 39 lugares, equipado com três suítes e sala de reunião.
Fernández pagou cerca de 20 milhões de dólares pela aeronave dez dias atrás — legado de luxo para o futuro presidente da ruína argentina, onde 39% da população já vivem na pobreza, segundo os dados governamentais.