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Informação e análise
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Os lucros do acusado de matar Marielle no Rio das milícias

Investigação sobre assassinato por encomenda ajuda a iluminar um pedaço dos porões da política carioca, com novas pistas sobre os negócios das quadrilhas

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 Maio 2024, 00h05 - Publicado em 25 jul 2023, 09h00
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  • O Rio de Janeiro é a melhor tradução de um Estado miliciano no Brasil. É o pedaço do país onde mais florescem milícias armadas sob patrocínio estatal. Um breve registro dos interesses políticos e financeiros entrelaçados nesse submundo está na confissão do ex-policial militar Élcio Queiroz sobre a participação no assassinato da vereadora do Psol Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes cinco anos atrás.

    Queiroz passou duas décadas na PM do Rio. Esteve na vigilância de trânsito, no policiamento aéreo, marítimo e até comandou um núcleo do Batalhão de Choque. Foi expulso quatro anos depois do mapeamento de uma quadrilha de policiais que prestava serviços a narcotraficantes e barões dos jogos clandestinos, traficava armas e munições roubadas de arsenais e vendia produtos apreendidos.

    Queiroz apareceu na lista de 30 policiais civis e militares excluídos às vésperas do Natal de 2015. Aos 42 anos migrou para empresas de segurança do Rio, controladas por policiais, sem deixar de aderir às empreitadas com amigos como Ronnie Lessa, padrinho do seu filho, ex-sargento expulso da PM e reconhecido como integrante do Escritório do Crime, uma espécie de agência de matadores de aluguel.

    Lessa é um sobrevivente da guerra sem fim no submundo carioca: na primavera de 2009, saiu do 9º Batalhão PM, em Bento Ribeiro, na zona norte do Rio, quando explodiu uma bomba sofisticada, acionada por controle remoto, destruindo o seu Toyota Hilux prata blindado. Ele perdeu uma perna. O atentado mal foi investigado.

    Agora, Queiroz acusa Lessa de executar a vereadora do Psol, num assassinato por encomenda na noite de quarta-feira 14 de março do ano eleitoral de 2018 — a morte do motorista teria sido dano colateral. Ele deu uma versão detalhada à Polícia Federal, parcialmente divulgada, confirmando aspectos do crime que a polícia já conhecia ou suspeitava (um trecho de duas horas de depoimento, transcrito em 72 páginas, ganhou o título de Anexo II; os demais são mantidos em segredo.)

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    Contou que esteve na cena do crime, planejado durante quase oito meses, como motorista. Lessa, segundo ele, usou um fuzil (MP5, da Heckler & Koch, cotado a R$ 20 mil no mercado paralelo) supostamente furtado de um arsenal da PM do Rio, “incendiado” anos antes, e equipado com silenciador artesanal. Pelo que disse, roubos de armamento fazem parte da paisagem da polícia carioca. A munição (9 milímetros, da Companhia Brasileira de Cartuchos) pertencia a um lote da Polícia Federal roubado na Paraíba, rastreado até à cena do duplo assassinato na zona central do Rio.

    Lessa, informou Queiroz, atuava no Rio como miliciano independente. Sua renda básica tinha origem em parcerias no serviço clandestino de tevê a cabo e internet, conhecido como Gatonet, em favelas como a “Jorge Turco”, no bairro de Rocha Miranda, na zona norte.

    Controle de “antena” (central de distribuição do sinal de tevê) é negócio permanente e dos mais rentáveis, na descrição do ex-parceiro. Exige equipe, gente em trabalho ostensivo “na rua, de carro, com escada em cima”. Lessa assumia a proteção de um Gatonet numa favela e recebia em troca uma fatia da clientela.

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    Dividia lucros, também, com outros milicianos em loteamentos irregulares. No projeto do Nova Canaã, em Gardênia Azul, em Jacarepaguá, zona oeste, decidiram vender lotes por cem mil reais cada: “Fizeram um acordo com a Delegacia de Meio Ambiente, pra não perturbar a obra.”

    Assassinato por encomenda era mais caro. Depois da execução da vereadora e do motorista, contou Queiroz, “vi um acréscimo muito grande… como se diz, no patrimônio”. Lessa gostava de veículos caros, comprou uma Ranger Evoque e uma picape Dodge Ram (cerca de 400 mil reais cada), e uma lancha nova — a antiga tinha “virado no quebra mar, deu perda total”. A família reclamava das prioridades de investimento. “Falei com ele: ‘Pô cara, ao invés de fazer sua casa, você tá gastando dinheiro com casa de praia, podendo fazer sua casa, o seu pessoal tá chateado.’” Ele respondeu, segundo Queiroz: “Cara, eu tenho dinheiro pra fazer essa casa e fazer a da Barra [da Tijuca]. Dinheiro eu tenho para as duas.” Depois de preso, Lessa teria sido roubado em 400mil reais, em espécie, que havia escondido num dos seus apartamentos.

    A investigação sobre a execução da vereadora do Psol e de seu motorista ajuda a iluminar um pedaço dos porões da política carioca, com novas pistas sobre a dimensão da influência, dos negócios e da partilha dos lucros obtidos pelas quadrilhas que fizeram dezena e meia de milhões de habitantes reféns da falência do Estado do Rio.

    Na última década e meia, elas triplicaram o território dominado no mapa estadual, expandiram a hegemonia para 10% da área metropolitana e passaram a impor leis próprias à vida de mais de três milhões de pessoas — 41% mais do que a população submetida na virada do milênio.

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