Pacheco quis dar um ‘recado’ ao STF e levou o Senado a um labirinto
Na "rebelião" contra o Supremo o menor risco é o da banalização da Constituição, e por motivos muito distantes do interesse público
Bom senso nunca foi mercadoria abundante em Brasília, mas virou raridade na Praça dos Três Poderes.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por exemplo, quis dar um “recado” ao Supremo Tribunal Federal sobre limites na interpretação da Constituição e acabou conduzindo os senadores a um labirinto político.
Pacheco viu no debate sobre drogas uma chance de afirmar a autoridade constitucional do Legislativo diante do STF.
Há 18 anos o Congresso reluta em regulamentar a aplicação de um artigo (nº 28) da Lei de Drogas (nº11.343/2006) para definir se o porte de maconha para consumo próprio pode ser considerado crime e, nesse caso, qual a quantidade da droga diferencia o usuário do traficante de drogas ilícitas.
Não decidir é uma escolha política, mas a omissão dos legisladores impôs um elevado custo social ao país, que disputa a liderança mundial na lotação de prisões: são 900 mil pessoas encarceradas, com mais mulheres (35%) do que homens (25%) penalizadas por porte de drogas — maconha em boa parte dos casos — como se fossem traficantes.
A prolongada indolência interessada dos senadores e deputados, levou o Supremo a reconhecer em 2011 a necessidade de tomar uma decisão para ser aplicada em todos os processos do país, enquanto o Congresso se mantivesse omisso sobre o assunto.
O julgamento começou em 2014, foi suspenso e retomado ano passado. Durante toda a década de imobilidade judicial, praticamente nada aconteceu no Congresso — exceto a manutenção da decisão de não decidir.
O senador Pacheco, que é advogado de profissão, está no final do mandato na presidência do Senado e é pré-candidato ao governo de Minas Gerais pelo PSD, em 2026. Habitualmente moderado, ele se propôs a liderar um ato de “rebeldia” contra o Supremo.
Percebeu na retomada do julgamento no STF múltiplas oportunidades políticas. Uma delas, a autoafirmação na reta final da sua presidência. Outra, a aglutinação dos senadores conservadores e extremistas em torno do seu candidato à sucessão no Senado, Davi Alcolumbre. Ele antecedeu Pacheco e atualmente preside a Comissão de Constituição e Justiça.
Semanas atrás, Pacheco chamou os líderes dos partidos e combinou o envio de uma mensagem “muito forte” aos juízes do Supremo, na outra margem da praça. Usou o argumento da fronteiras dos Três Poderes.
Na interpretação desse grupo, o tribunal estaria extrapolando limites constitucionais ao “legislar” sobre a aplicação da lei nos casos de porte de maconha, diferenciando usuários de traficantes.
Na reunião, não se falou sobre a década de deliberada omissão legislativa, nem sobre o caráter provisório da sentença do STF — que ainda não saiu —, com validade até o Congresso regulamentar a aplicação da Lei de Drogas.
Os juízes, também, resolveram ir adiante na agenda de leis sobre costumes (drogas e aborto) sem prévia e necessária negociação com o Congresso.
Resultado: na quarta-feira (13/3) a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou por voto simbólico uma proposta de emenda constitucional que equipara a traficante toda pessoa que for flagrada com qualquer quantidade de maconha.
Não há inovação legislativa, exceto a de que o Senado avançou na ideia de inscrever na Constituição a criminalização do porte de droga.
É uma situação política exdrúxula sob vários aspectos. A começar pelo fato de que o asunto é típico de lei penal e não constitucional.
Além disso, reafirma-se a apatia do Congresso, que mais uma vez contorna a obrigação de definir se o porte de maconha para consumo próprio pode ser considerado crime e, nesse caso, qual a quantidade da droga diferencia o usuário do traficante de drogas ilícitas.
Confirma-se, também, a tendência à transformação da Constituição em colcha de retalhos legislativos, com uma nova emenda a cada trimestre desde que foi promulgada, no outro de 35 anos atrás. Contam-se 132 emendas constituições nesse período.
A “rebelião” incitada por Pacheco contra o Supremo, e a resistência do tribunal em negociar com o Congresso, deixou o Senado aprisionado num labirinto político, no qual o menor risco é o da banalização da Constituição, e por motivos muito distantes do interesse público.
É nova sequela da carência de bom senso na Praça dos Três Poderes.