Faltam dez semanas para as eleições municipais e, apesar da dissimulação, não há político ou eleitor mais preocupado do que Lula. Suas alternativas para a disputa presidencial de 2026 dependem dos resultados das urnas em outubro.
Nessa etapa do jogo, o problema está na coincidência das pesquisas sobre o essencial: a tendência é a derrota do governo e do Partido dos Trabalhadores nas 100 maiores cidades do país, entre elas 25 capitais.
Nesse grupo, as sondagens do último trimestre indicam chance real do PT em apenas oito metrópoles, em três casos com prefeitos bem avaliados na tentativa de reeleição (Contagem e Juiz de Fora, em Minas, e Diadema, em São Paulo). Nas capitais, a liderança dos candidatos petistas está restrita a Teresina e Porto Alegre, onde há perspectiva de segundo turno.
A oposição ao petismo lidera no mapa nacional de intenções de voto. Em posição dominante estão os partidos de centro e de direita que se agrupam no Congresso no bloco conhecido como Centrão.
À margem, e com destaque, está o Partido Liberal, atual abrigo de Jair Bolsonaro. Tende a se consolidar como a mais eloquente expressão da direita brasileira. Está à frente, por exemplo, em Belém, Goiânia, Palmas, Maceió e Aracaju.
Numa ironia política, é real a chance de um radical do bolsonarismo governar a partir de janeiro a capital paraense, que vai sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em novembro. Com um histórico de violência na corregedoria da polícia, o ex-delegado Éder Mauro é deputado federal do PL e militante estridente das bancadas da bala e do garimpo há mais de uma década.
Sem nova “onda vermelha”, como ocorreu nos governos anteriores de Lula, o PT está limitado às alianças com partidos-satélites — parte destes já se vê em risco de perder representação no Congresso em 2026, ficando sem acesso à propaganda eleitoral em rádio e televisão e aos fundos públicos.
Essa circunstância condimenta a crise silenciosa do petismo, cuja bancada no Congresso emagreceu, para 13% dos votos no plenário, e hoje não governa nenhuma capital — controla apenas 4,3% dos 5 569 municípios, dois terços com menos de 50 000 habitantes.
“Alternativas de Lula dependem das urnas, e a tendência é de derrota do governo”
Haveria algum alento no panorama traçado nas pesquisas atuais, que sinalizam chance de dobrar o total de prefeituras em outubro. Paradoxalmente, até mesmo o melhor cenário não tem sido capaz de reverter a melancolia prevalecente no partido, que é o mais organizado e venceu cinco das nove disputas presidenciais realizadas nas últimas três décadas.
Nas reuniões internas já não se discutem os erros do passado, apenas as aflições no horizonte pós-eleições municipais. “Nós não aguentamos um tranco da direita como nós estamos, e a direita vai nos dar um tranco”, tem insistido José Dirceu. Ex-presidente do partido, ele diz aquilo que a maioria petista receia: “Se nós formos derrotados neste ano, eles vão tomar mais um naco do governo”. Por “eles” ficam entendidas as forças de centro e de direita amontoadas no Centrão, que receberam ministérios e cargos relevantes nas empresas estatais em troca de apoio em votações legislativas.
O cenário atual das eleições municipais condiciona as alternativas de Lula para a disputa presidencial de 2026 e, principalmente, um eventual quarto mandato. No governo e na oposição considera-se que, fortalecidos nas maiores cidades, partidos do Centrão tendem a dar prioridade à sobrevivência no Congresso. Por essa lógica, dificilmente, PP, União Brasil, Republicanos, MDB e PSDB embarcariam em nova aliança eleitoral capitaneada por Lula.
Há uma novidade pouco percebida no ambiente político, ressalta Leonardo Barreto, da consultoria i3P Latam: “Pela primeira vez, os partidos estão mais preocupados com a moldagem da sua identidade eleitoral, à direita e ao centro. E isso acontece em meio a um problema de imagem de Lula, do PT e do governo que não está solucionado, como se verifica na divisão das avaliações, quase empatadas, nas maiores cidades do Nordeste”.
Esse quadro torna essencial para Lula a vitória, na cidade de São Paulo, do aliado do PSOL, Guilherme Boulos. Vencer na maior e mais rica capital pode atenuar os efeitos de um fiasco eleitoral no restante do país e criar condições, como defendem líderes do PT, entre eles José Dirceu, para tentar a reconstrução de uma “frente” eleitoral em 2026 — com Lula candidato ou em torno do substituto por ele escolhido (hoje, o mais evidente é Fernando Haddad, ministro da Fazenda e ex-prefeito paulistano). Em qualquer cenário, não haverá vida fácil.
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Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902