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Informação e análise

Supremo decide impor limites à espionagem da Abin

Agência operava praticamente sem controle e já é acusada no STF por "atuação indevida" em investigações criminais envolvendo o senador Flávio Bolsonaro

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 out 2021, 08h00

O Supremo resolveu impor limites à espionagem doméstica da Agência Brasileira de Inteligência. Foi instituído um filtro judicial duplo sobre as atividades da Abin na coleta de informações sobre pessoas e organizações dentro do país.

A agência, primeiro, vai precisar demonstrar a existência de interesse público nas investigações em defesa das instituições, para eliminar “qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados”.

Se confirmado o interesse público, a Abin deverá se submeter a um “controle de legalidade” do Judiciário para ter acesso aos bancos de dados dos órgãos públicos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência, o guarda-chuva jurídico da agência para coleta de informações.

A Abin operava praticamente sem controle desde a criação, há 22 anos, quando substituiu o aparato de espionagem política mantido pela ditadura no extinto Serviço Nacional de Informações. Ela já é acusada no Supremo, junto com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência,  por “atuação indevida” em investigações criminais envolvendo um dos filhos parlamentares do presidente, o senador Flávio Bolsonaro

A decisão do STF, divulgada ontem, aconteceu na sexta-feira. Foi por unanimidade e balizada pela juíza Cármen Lúcia, que definiu: “Inteligência é atividade sensível e grave do Estado. ‘Arapongagem’ não é direito, é crime. Praticado pelo Estado é ilícito gravíssimo. O agente que adotar prática de solicitação e obtenção de dados e conhecimentos específicos sobre quem quer que seja fora dos estritos limites da legalidade comete crime.”

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Ela relatou uma ação do Partido Socialista Brasileiro e da Rede Sustentabilidade. Ambos contestaram a constitucionalidade de parte da legislação (nº 10.529/2021) que deu à Abin pleno acesso aos bancos de dados de órgãos públicos a partir de simples requisição ao presidente da República, “cliente” exclusivo da agência.

Os partidos se mobilizaram a partir de um histórico de evidências de fragilidades do Legislativo e do Judiciário na supervisão das atividades de espionagem dentro do país.

Foram motivados por iniciativas de Jair Bolsonaro, que resultaram na maior expansão operacional da Abin desde sua criação.

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Houve uma série de mudanças na legislação e em normas do serviço secreto, realizadas com discrição e sem debate no Congresso.  Foram erguidas porque, sem controle efetivo, poderiam dar margem a desvios de finalidade na coleta e no uso de informações.

Em julho do ano passado, por exemplo, Bolsonaro assinou um decreto (nº 10.445/2020) mudando a estrutura operacional da Abin. O texto deixava aberta a possibilidade de o diretor-geral da agência obter dados sigilosos sobre pessoas e organizações a partir de uma singela requisição, verbal ou escrita.

No último julho, Bolsonaro assinou outro decreto (nº 10.529/2021). Ampliou para 48 o número de órgãos públicos federais cujos bancos de dados estavam sob livre acesso no Sistema Brasileiro de Inteligência. Eram 39 quando ele chegou ao Palácio do Planalto, em 2018. Deixou a Abin com passe-livre, também, aos dados de uma coletânea de organismos estaduais colaboradores, definidos internamente como “entidades ou órgãos parceiros”. A lista não é conhecida.

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Na prática, os 48 organismos federais já forneciam informações à Abin, mas de maneira passiva e com limites definidos nas respectivas responsabilidades de sigilo. O decreto não apenas formalizou a integração a um sistema de espionagem projetado com ambição e abrangência nacional, como tornou obrigatório o repasse de informações, sigilosas ou não, “sempre que solicitadas”.

E mais: estabeleceu como norma a designação de funcionários dessas seções governamentais para trabalhar no Centro Nacional de Inteligência, unidade da Abin responsável pela produção de relatórios a partir de uma “coleta estruturada” de dados que, em tese, pode abranger informações fiscais, bancárias, telefônicas e telemáticas.

A juíza Cármen Lúcia, no seu relatório, registrou denúncias recentes recebidas no Supremo sobre “desvio de finalidade na atuação de membros das forças de segurança” do governo Bolsonaro.

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Citou o caso de uma “suposta atuação indevida do Gabinete de Segurança Institucional e da Agência Brasileira de Inteligência em investigações criminais envolvendo o senador Flávio Bolsonaro”.

Lembrou, também, de outra ação na qual questiona-se decisão do Ministério da Justiça de promover “investigação sigilosa” sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança auto-identificados como integrantes do ‘movimento antifascismo’ — entre eles, policiais e professores universitários.

Observou que a Constituição “repudia poder sem controle, exige a motivação dos atos administrativos e que todos eles se guiem pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. E determinou que na rotina da Abin sejam adotados procedimentos formais “imprescindíveis” em sistemas eletrônicos com efetiva segurança e registro de acesso, “inclusive para efeito de responsabilização em caso de eventual omissão, desvio ou abuso”.

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