Trump complica Bolsonaro, aliados da direita e presenteia Lula
Avanço do julgamento por tentativa de golpe de estado sugere inviabilidade de pressão para o STF isentar Bolsonaro, como deseja o presidente dos EUA

Donald Trump fez uma mistura ruim de política externa com tarifas comerciais e provocou tumulto inédito nas relações Brasil-Estados Unidos, há dois séculos a mais estável da América do Sul.
Os primeiros dias de ressaca indicam que os resultados dificilmente poderiam ser piores para todos, em especial para Trump, aliados e simpatizantes na direita brasileira.
Se nada mudar, dentro de oito dias úteis o comércio entre Brasil e Estados Unidos vai ficar praticamente inviável com a imposição de uma tarifa de 50% na venda de produtos brasileiros ao mercado americano.
Trump anunciou a taxa com o objetivo de interferência direta em decisão do Estado brasileiro. Tem a pretensão de interromper o julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal e evitar a sua eventual condenação por crimes contra a Constituição, entre eles o de tentativa de golpe de estado. Perdeu o primeiro round na noite desta segunda-feira (14/7).
Foi quando a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação de Bolsonaro pelos seguintes crimes:
- 1) Liderar organização criminosa;
- 2) Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático;
- 3) Golpe de Estado;
- 4) Dano qualificado pela violência e grave ameaça, com considerável prejuízo e deterioração de patrimônio da União tombado.
O julgamento está previsto para terminar em setembro. É pouco provável que Bolsonaro não seja condenado, mas é improvável uma sentença às penas máximas previstas passa esses crimes, que somam mais de 28 anos de cadeia. Ele já está inelegível até 2030, quando terá 81 anos de idade. Sentenciado agora, ficaria por mais tempo fora do jogo eleitoral. Provavelmente, até à morte.
A procuradoria recomendou a punição dele e de outras sete pessoas:
- Walter Braga Netto; Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno Pereira, todos ex-ministros de Bolsonaro e generais da reserva;
- Mauro Cid, coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Alexandre Ramagem, deputado federal, antigo chefe da agência de espionagem (Abin);
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
A manutenção do ritual judiciário, com as alegações finais da procuradoria, sugere inviabilidade de pressão política para o STF isentar Bolsonaro, como deseja o presidente dos EUA.
Outro aspecto importante é que o efeito inicial da pressão de Trump está impondo um custo imprevisto a Bolsonaro e líderes de forças políticas da direita. Ele tende a ser proporcional ao prejuízo na produção e no emprego em todas as regiões do país — do Piauí ao Rio Grande do Sul, e especialmente em São Paulo de onde saem quase 40% dos produtos exportados para o mercado americano.
Na primeira semana da crise, constata-se que Trump complicou a vida de Bolsonaro e dos aliados à direita.
Governadores da oposição até gostariam — e alguns tentaram —, mas não conseguem defender a “Tarifa Bolsonaro”, como é chamada em Brasília, porque inviabiliza negócios com os EUA mantidos pelas principais empresas dos seus estados. É o caso de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, agora em rota de colisão com o clã Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, a repercussão negativa da ofensiva dos EUA parece se reverter num presente de Trump para Lula. No curto prazo pode ajudá-lo a escapar do declínio nas pesquisas.
Se mantida a taxação, porém, o desgaste tende a ser relevante para o governo Lula com o acúmulo de perdas nas linhas de produção e no nível de emprego. Nesse cenário, seria alto o preço a pagar por uma crise política inédita entre os dois países, que atravessaram os últimos dois séculos em relacionamento quase normal numa conturbada América do Sul.