O deputado Filipe Barros (PSL-SP) se apresentou ontem na Câmara com uma relíquia, um dos primeiros aparelhos de telefonia celular, do tipo “tijolão”, símbolo da transição nas comunicações nos anos 90 do século passado. Exibiu-o no plenário da Comissão de Constituição e Justiça para ilustrar a “obsolescência” do atual sistema de votação, sem impressão do voto.
Ele comparou a urna eletrônica, em uso há 25 anos, a tecnologias antigas como celular “tijolão”, o discman, a máquina de datilografia, a fita VHS, e o disquete de computador. Poderia ter ido além, comparando o voto impresso ao voto de cabresto do coronelismo rural e urbano, ou, ainda mais antigo, ao voto de bico de pena.
Outra devota de Jair Bolsonaro no plenário, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), que preside a comissão, saudou Barros, relator da emenda constitucional que impõe o retrocesso ao voto impresso: “A impressão do voto na urna eletrônica trará segurança, transparência e confiabilidade ao sistema que hoje padece de uma série de vulnerabilidades.”
Nem ela e nem ele, explicaram a razão do temor de Bolsonaro com as urnas pelas quais ele se elege sucessivamente desde o tempo do “tijolão” sem que, até hoje, tenha apresentado formalmente qualquer indício ou prova de fraude.
Bolsonaro alega ter vencido o pleito de 2018 no primeiro turno, mas até hoje não exibiu mínima evidência. Se, por hipótese, se consideram legítimas suas acusações sem fundamento, vale a questão: e as eleições anteriores? Por essa lógica, seriam passíveis de nulidade todas as eleições vencidas por Bolsonaro nas últimas três décadas.
A persistência no retrocesso, hoje, só não tem muitas explicações racionalmente possíveis.
Uma, talvez, seja a preparação de um cenário de tumulto, de anarquia, para contestação de um resultado eventualmente negativo na disputa presidencial do próximo ano.
O problema, então, não estaria na urna eletrônica, nem na tecnologia do voto, mas em algo subjetivo, o estado emocional ou sentimento de receio, de temor, de derrota numa eleição pelas regras do jogo que já duram um quarto de século sem contestação objetiva, fundamentada em evidências aferíveis — essenciais para denúncia de um crime grave como é a fraude eleitoral.
Como negócio, no entanto, propiciaria a criação de um novo segmento no mercado eleitoral, o dos acessórios para impressão do voto, com todos os riscos possíveis à lisura de um sistema de votação até hoje sem contestação objetiva, com base em provas objetivas.
Ontem, enquanto esgrimia com o seu “celular tijolão”, o deputado Barros comentou: “O processo eleitoral não está limitado pela PEC do Teto de Gastos”. Deixou claro que as despesas com a eleição de 2022 estariam fora da contabilidade que limita os gastos públicos para garantir a solvência do Estado.
Por essa brecha, informou, já está previsto no orçamento R$ 1,19 bilhão “para pleitos eleitorais”, dos quais R$ 1 bilhão “para investimentos”. Faltaria pelo menos outro bilhão de reais, pois a Justiça Eleitoral calcula uma despesa básica de R$ 2 bilhões com um retrocesso ao sistema de voto impresso.
Assim, o país de economia combalida, em agonia fiscal, sob pandemia e com 14 milhões de desempregados, se daria ao luxo de gastar um par de bilhões a mais, apenas para satisfazer um capricho de alguns políticos. Isso na conta de uma eleição que, sem essa fatura extra, já se anuncia como a mais cara da história republicana. E quem paga são os contribuintes, ou seja, os eleitores.
Mais razoável seria inverter a equação: em vez de espetar a conta dessa extravagância no bolso dos contribuintes, seria passada diretamente às contas e aos bolsos dos interessados. Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível recontar votos, mas alguns Estados cobram dos candidatos as despesas com a recontagem. Donald Trump pagou até o limite do seu caixa de campanha, depois parou.
Bolsonaro, Filipe Barros e Bia Kicis, entre outros, propalam ser “de direita” e se identificam como políticos conservadores. Deveriam aprender com a mais influente líder conservadora britânica do pós-IIª Guerra: “Não existe dinheiro público, existe apenas dinheiro do pagador de impostos” — repetia Margaret Tatcher, primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990, período da aurora do “celular tijolão”.