O termo “planejamento familiar” virou sinônimo de contracepção, mas não deveria. Essa falsa relação acontece porque as políticas de planejamento, incentivadas por governos de todo o mundo, concentraram-se, em mais de meio século, em oferecer métodos contraceptivos para evitar a gravidez indesejada e mitigar o crescimento populacional.
Mas já é hora de ressignificar o termo. Atualmente, metade dos países no mundo apresenta taxa de fertilidade abaixo do nível de substituição (quando a natalidade e a mortalidade são iguais). Agora, até mesmo no Brasil e vizinhos da América Latina vêm observando o fenômeno.
Se a taxa de natalidade for menor que a de mortalidade de forma sustentada, a população torna-se cada vez menor, o que traz implicações sociais e econômicas. Equilibrar a balança é preciso.
A Federação Internacional de Sociedades de Fertilidade (IFFS) publicou recentemente um documento de consenso alertando sobre a necessidade de discutir mais o tema da fertilidade e incentivar programas de saúde pública com benefícios à reprodução humana. É preciso encarar a chamada “desnatalidade”.
A redução nas taxas de fertilidade, em quase uma década (de 2013 a 2022), se mostra consistente nos Estados Unidos (- 7% de nascimentos), Brasil (-10%), México (-24%), Colômbia (-13%), Chile (-21%), Costa Rica (-27%) e Uruguai (-34%). Os números da Argentina (-32%) correspondem ao período entre 2016 e 2021 e os de Cuba (-21%) entre 2013 e 2021.
+ LEIA TAMBÉM: Os desafios da “epidemia” de infertilidade
Alguns países possuem política de Estado para aumentar os nascimentos. É o caso da Dinamarca, por exemplo, que custeia gratuitamente tratamentos de fertilização in vitro para sua população.
O documento da IFFS prevê que é possível que muitos países tenham um declínio populacional superior a 50% entre 2017 e 2100.
O conceito de construção familiar abrange vários métodos e opções para indivíduos ou casais que desejam ter filhos. Pode envolver meios biológicos, como concepção natural, bem como técnicas de reprodução assistida, barriga solidária, adoção e assistência social.
Grandes avanços nos cuidados de fertilidade melhoraram dramaticamente as oportunidades de construção familiar desde a década de 1990, mas o benefício ao maior número de pessoas ainda esbarra no alto custo do tratamento da infertilidade, que é inacessível para a maioria.
No texto, a IFSS defende que todos, incluindo pessoas inférteis, solteiras e LGBTQ+, têm direito de ter um filho e constituir família, caso queiram. E é importante, também, educar a população a respeito da infertilidade.
Existem diversas causas para a infertilidade, mas a principal delas, principalmente com relação às mulheres, é a idade. Adiar a gestação pode fazer ruir as chances de gravidez. Nesse caso, o melhor a fazer para preservar a fertilidade é o congelamento de óvulos.
O consenso publicado pela entidade tem dados robustos e deve ser levado em conta nas políticas públicas para prevenir o impacto social e econômico que pode ocorrer com a baixa taxa global de nascimentos.
* Fernando Prado é ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana. Doutor pela Unifesp e pelo Imperial College London, diretor clínico da Neo Vita e coordenador médico da Embriológica, ambas em São Paulo