Beleza, saúde e vida: qual é o preço da perfeição?
Brasil é um dos maiores mercados de procedimentos estéticos, muitas vezes realizados sem indicação médica e por profissionais não habilitados, alerta CFM

No mundo de filtros das redes sociais, ter o corpo e o rosto dos sonhos passou a ser item de primeira necessidade. Para torná-los reais, muitos apostam em soluções mirabolantes e se colocam nas mãos de pessoas sem qualificação. Infelizmente, nos consultórios médicos e noticiário aparecem as consequências do preço pago pela imagem idealizada.
Tudo isso ocorre dentro de um grande mercado. A Grand View Research, empresa de pesquisa reconhecida mundialmente, calcula que a indústria de procedimentos estéticos atingiu, em 2023, o valor global de US$ 127,1 bilhões, com estimativa de aumento anual de 14,9%, até 2030.
Já a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) mostra que o ramo da estética cresceu 567% nos últimos anos no país, com movimentação de mais de R$ 47,5 bilhões. Com esses números, o Brasil fica entre os líderes mundiais do setor, ao lado dos Estados Unidos e da China.
No entanto, assim como o desempenho promissor do segmento, cresce a preocupação dos médicos com as consequências desse fenômeno para a saúde, a integridade e a vida da população. As causas são multifatoriais e devem ser analisadas para mudar esse cenário.
Em primeiro lugar, não se pode ignorar a distorção de imagem causada pelo confronto com o mundo que desfila nas telas de celulares, cobrando de cada espectador estar em sintonia com as últimas tendências. Na atualidade, o foco na essência foi superado pela busca de uma aparência, por vezes incompatível com os limites do próprio organismo.
Há ainda a pressão do marketing que, com a ajuda de influenciadores digitais, torna procedimentos, produtos e serviços estéticos objetos de desejo, mesmo que desnecessários.
Nesse rol, há os sem eficácia comprovada e os com alto risco de causar danos. Apesar de sucessivos alertas de entidades médicas, substâncias como fenol e PMMA continuam a ser utilizadas tornando pacientes vítimas de sequelas e mortes.
Fechando esse ciclo perverso, milhares de pessoas sem formação desafiam a sorte e, a cada dia, colocam vidas na corda bamba. Assim aconteceu com Mariana Michelini, enganada por uma profissional não médica que lhe prometeu beleza, usou PMMA num procedimento (ao contrário do ácido hialurônico anunciado) e a deixou com sequelas irreversíveis.
Pior aconteceu com Henrique Chagas, que morreu ao ser submetido a um peeling de fenol conduzido por uma influencer sem graduação superior que aprendeu a manusear a substância num curso online de seis horas. Em ambos os casos, esses fatores se alinharam com consequências trágicas.
É possível evitar que outras histórias assim ocorram. Entre as ações necessárias, está a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que deve regular o uso de produtos estéticos com base em critérios científicos e nas contribuições dos médicos especialistas.
Por sua vez, órgãos de controle e fiscalização, como Polícia e Ministério Público, acionados pelo Judiciário, precisam combater o exercício ilegal da medicina, tirando de circulação quem anuncia o que não sabe fazer, porque não tem preparo, ou não pode fazer, porque a lei não autoriza.
Tão importante quanto tudo isso é o paciente confiar seus cuidados a um médico habilitado a realizar o diagnóstico do que deve ser feito, identificando a melhor terapêutica e sendo capaz de agir em caso de efeito adverso.
Preocupações com a autoestima fazem parte da rotina. Buscar alternativas que promovam bem-estar é relevante e saudável, desde que tenham base científica e reconhecimento da medicina. Afinal, como preconiza o Conselho Federal de Medicina (CFM), beleza de verdade é aquela que vem com segurança, saúde e responsabilidade.
* José Hiran da Silva Gallo é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)