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Células-tronco para o diabetes: seria a cura da doença?

Experimento chinês com implante de estruturas derivadas de células-tronco mantém mulher com diabetes tipo 1 livre de insulina. Mas isso não significa a cura

Por Carlos Eduardo Barra Couri*
3 out 2024, 10h26
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  • Um interessante relato de caso publicado pela renomada revista científica Cell ganhou repercussão na imprensa internacional por mostrar que uma paciente com diabetes tipo 1 submetida a um tratamento experimental ficou livre das aplicações diárias de insulina pelo período de um ano.

    Em entrevista ao portal da Nature, a participante do estudo, baseado no uso de células-tronco, inclusive disse: “Posso comer açúcar agora”. Mas seria essa a cura do doença? Já antecipo aos leitores: infelizmente, não.

    A voluntária escolhida para a pesquisa é uma mulher chinesa com diabetes tipo 1 há 25 anos, que necessitava fazer várias injeções diárias de insulina ao dia. O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune em que o sistema imunológico destrói equivocadamente as ilhotas do pâncreas que produzem insulina, o hormônio que permite à glicose entrar nas células. Sem insulina, pessoas com diabetes tipo 1 não conseguem sobreviver por muito tempo.

    A paciente teve células do seu tecido gorduroso coletadas por meio de uma agulha e em seguida levadas ao laboratório. Através do uso de agentes químicos, os cientistas conseguiram fazer com que estas células do tecido gorduroso se “transformassem” em células-tronco embrionárias com o DNA da própria participante para posteriormente se diferenciarem em ilhotas. Foi um passo inédito na literatura médica.

    A seguir, por meio de uma pequena cirurgia que durou menos de 1 hora, as novas ilhotas com o DNA da paciente foram implantadas no músculo reto abdominal (o famoso “tanquinho” da barriga).

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    A boa notícia é que, 75 dias após o procedimento, a participante não mais precisou das aplicações diárias de insulina e vem há um ano com excelente controle da glicose, inclusive parecido com o de uma pessoa sem diabetes.

    Mas por que isso não pode ser considerado uma cura? Primeiro, trata-se apenas de um caso e, em ciência, é necessário que outros semelhantes sejam confirmados. Segundo, o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune por natureza, ou seja, o “defeito” está no sistema imunológico que agride as ilhotas produtoras de insulina. Não adianta só transplantarmos milhões de ilhotas (mesmo com o DNA do paciente), porque, em algum momento, o sistema imunológico irá tentar destruí-las.

    Então como as ilhotas transplantadas conseguiram produzir insulina deixando a participante livres das picadas de insulina? O fato é que ela já fazia uso de medicamentos imunossupressores devido a um transplante de fígado prévio – isso fez toda a diferença nessa história. A imunossupressão impede que se possa afirmar que todo o benefício do transplante de ilhotas se deveu somente à inovação em si.

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    Aliás, pensando no mecanismo autoimune do diabetes tipo 1, é razoável inferir que as ilhotas transplantadas criadas em laboratório seriam destruídas se não fosse o uso de remédios imunossupressores pela participante.

    A inclusão de novos participantes sem uso prévio de imunossupressores poderá ajudar a esclarecer melhor os efeitos benéficos (ou não) do novo tratamento experimental.

    Vale lembrar que a equipe do saudoso pesquisador brasileiro Julio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, foi a primeira no mundo a testar o efeito de transplante de células-tronco em pessoas com diabetes tipo 1. O trabalho, do qual orgulhosamente faço parte, demonstrou que 90% dos participantes ficaram livres de insulina pelo período médio de seis anos.

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    Ao longo do seguimento, contudo, vimos que todos os pacientes voltaram a usar insulina, mesmo que em doses menores. Por isso, temos que tomar muito cuidado em usar a palavra “cura” quando se fala de tratamentos para diabetes tipo 1.

    Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos. E que avancem as pesquisas!

    * Carlos Eduardo Barra Couri é endocrinologista, pesquisador da USP de Ribeirão Preto, coordenador do Endodebate e do hub Olhar da Saúde e colunista de VEJA SAÚDE

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