Namorados: Assine Digital Completo por 1,99
Imagem Blog

Letra de Médico

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Orientações médicas e textos de saúde assinados por profissionais de primeira linha do Brasil

Doença do sono derrotada: lições de uma bem-sucedida missão na África

Moléstia por trás de uma fadiga terrível transmitida por insetos ganhou novo tratamento graças a uma parceria global entre cientistas, médicos e políticos

Por Luis Pizarro*
17 fev 2025, 08h00

A Guiné alcançou, recentemente, um marco memorável, que serviu para mostrar ao mundo o impacto que a ciência e a cooperação internacional podem ter na vida de milhões de pessoas em condições de vulnerabilidade extrema. O país da África Ocidental anunciou que conseguiu eliminar a doença do sono como um problema de saúde pública e hoje contabiliza menos de 1 caso por cada 10 mil pessoas.

A tripanossomíase humana africana, popularmente conhecida por doença do sono, ganhou esse nome porque provoca uma fadiga grave durante o dia e pode levar a graves perturbações neurológicas e psiquiátricas. Por afetar comunidades rurais remotas, ela também é chamada de doença do “fim do caminho”. Quando não tratada, pode ser fatal.

Há 15 anos, o único tratamento existente para os casos avançados era extremamente doloroso e tóxico. Os pacientes descreviam a experiência como se tivessem “fogo nas veias”. A terapia consistia na administração de um derivado de arsênio que era tão tóxico que matava um em cada vinte doentes. De tão corrosivo, o medicamento era ministrado em seringas de vidro, porque derretia as de plástico.

Essa história começou a mudar há 10 anos quando a organização de pesquisa sem fins lucrativos, Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), em parceria com os Médicos Sem Fronteiras (MSF), desenvolveu e disponibilizou um tratamento novo e eficiente. Chamado NECT, a terapia oferece a cura sem efeitos colaterais graves.

No entanto, apesar do avanço, a terapia ainda guarda o inconveniente de ser complicada para ser administrada em áreas remotas porque tem de ser injetada e requer 14 dias de hospitalização. Essa dinâmica pode ter um impacto drástico na situação financeira de uma família, o que acaba sendo um impeditivo para muitas pessoas infectadas. O membro da família que fica sem trabalhar para acompanhar o doente provoca uma redução substancial do já limitado rendimento familiar.

Continua após a publicidade

Por isso, as pesquisas para encontrar um medicamento ainda mais eficiente não pararam na DNDi e, em 2018, foi lançado o fexinidazol, um comprimido oral seguro e eficaz que pode ser tomado em casa durante 10 dias, sem hospitalização. Alguns doentes, no entanto, continuam necessitando de punção lombar e de tratamento monitorado.

O foco agora é o desenvolvimento do acoziborole, um medicamento revolucionário de dose única. Quando estiver pronto, em 2027, espera-se que o acoziborole – que contou com ensaios clínicos na Guiné – desempenhe um papel fundamental no tratamento rápido em zonas remotas.

remedio-doenca-sono
Novo tratamento foi criado por iniciativa voltada ao combate a doenças negligenciadas (Foto: Brent Stirton/Reprodução)
Continua após a publicidade

Tratamentos como o NECT e o fexinidazol foram fundamentais na eliminação da doença na Guiné, mas não são a única razão dessa conquista. Os medicamentos fizeram parte de um plano amplo, orquestrado pelo governo guineense e pelos seus parceiros internacionais. A estratégia de eliminação incluiu intensas ações de rastreamento de áreas endêmicas utilizando testes rápidos, controle das moscas tsé-tsé, os vetores da doença,  além de grandes e bem-sucedidas campanhas de sensibilização, com o envolvimento da comunidade.

A ciência esteve no centro desses esforços. Os pesquisadores do Instituto Nacional de Investigação para o Desenvolvimento Sustentável francês, por exemplo, instalaram armadilhas para a mosca tsé-tsé na cor azul, uma vez que descobriram que é a cor preferida dos insetos.

Apesar dos progressos, a eliminação da doença como problema de saúde pública não é o “fim do caminho” dessa história. Sem um controle rigoroso, a doença do sono pode avançar novamente.

Continua após a publicidade

Não se pode perder de vista os aprendizados da época do surto de ebola na África Ocidental (2013/2016). Por conta da emergência, as medidas de controle da doença foram afrouxadas, provocando um aumento considerável no número de infectados. Agora que a Guiné reduziu consideravelmente os casos – um feito impressionante apenas uma década após o fim da epidemia de ebola-, o país terá que lutar para zerar o número de casos definitivamente.

O caminho é longo, mas há que se lembrar sempre que o que foi feito na Guiné é notável e inspirador, uma mostra de que a união de ciência, vontade política e parceria internacional tem o poder de salvar inúmeras vidas – em qualquer lugar do mundo.

* Luis Pizarro é médico especialista em saúde global e diretor executivo da DNDi (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas), uma organização sem fins lucrativos criada em 2003 por Médicos Sem Fronteiras (MSF), Fiocruz, Organização Mundial da Saúde (OMS) e duas outras instituições internacionais de pesquisa

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai a partir de R$ 7,48)
A partir de 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$ 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.