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Entre a ciência e a empatia: como conversar sobre a doação de órgãos?

Se índice de autorização subisse para 70%, teríamos centenas de doadores a mais por ano, o que poderia se traduzir em milhares de vidas salvas

Por Maria Fernanda Carvalho de Camargo*
26 set 2025, 08h00

Todos os dias, testemunho o encontro entre ciência e empatia em situações de extrema delicadeza. Foi assim com Gabriela, que sobreviveu após um inédito transplante duplo de rim e fígado infantil. Com Davi, que voltou a brincar e estudar depois de receber um segundo rim. Essas crianças estão vivas porque, em algum lugar, famílias em luto transformaram dor em esperança e autorizaram a doação de órgãos. Também acompanhei o pequeno Enrique, cuja vida foi sustentada por uma corrente de solidariedade até o transplante de medula.

Neste cenário cheio de nuances, para mim, é justamente nesse ponto que mora o primeiro desafio: como dialogar com as famílias sobre a doação de órgãos em meio à perda irreparável de um ente querido? No Brasil, a decisão é sempre familiar. Mesmo que a pessoa manifeste em vida o desejo de ser doadora, é a família quem dá a palavra final. 

Segundo o Ministério da Saúde, em 2024, 55% das famílias autorizaram a doação. Isso significa que quase metade das oportunidades se perdeu, enquanto mais de 78 mil pessoas seguem na fila de espera, a maioria precisando de rim, córnea ou fígado. Se esse índice de autorização subisse para 70%, teríamos centenas de doadores a mais por ano, o que poderia se traduzir em milhares de vidas salvas, já que um único doador pode beneficiar até oito receptores.

As razões para a recusa são muitas e, quase sempre, atravessadas pela dor. Crenças religiosas, a esperança de um milagre, a dificuldade em compreender o diagnóstico de morte encefálica — quando é possível doar órgãos vitais como coração, fígado, rins e pulmões — e até mesmo dúvidas sobre a doação após a parada cardiorrespiratória (que permite a doação de tecidos como córneas, ossos e pele) ainda pesam nas decisões. Somam-se isso medos relacionados à manipulação do corpo ou ao comércio ilegal de órgãos.

Muitas vezes, trata-se de desconhecimento e receios legítimos que precisam ser acolhidos. É nesse momento que a ciência deve ser acompanhada da empatia. Profissionais de saúde preparados, capazes de explicar com clareza o que é a morte encefálica, de orientar sobre a recomposição estética do corpo após a doação e de acolher as angústias da família, fazem toda a diferença. A forma como essa conversa é conduzida pode determinar se pessoas terão uma nova chance de ter mais vida e qualidade de vida.

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Para mim, outro fator decisivo para aumentar esse índice é a conversa prévia dentro das famílias. Pesquisas mostram que, quando o tema já foi discutido em casa, a aceitação da doação aumenta significativamente. Um estudo realizado em Pelotas (RS), por exemplo, revelou que 80% das pessoas seriam favoráveis à doação de órgãos de um familiar caso ele manifestasse previamente o desejo de ser doador, enquanto apenas um terço autorizaria a doação se o assunto nunca tivesse sido discutido. Esse é um caminho poderoso: trazer o tema para o cotidiano, para que a decisão, no momento da perda, não seja ainda mais difícil. É importante lembrar que não é necessário deixar a vontade expressa em documentos ou cartórios — basta que a família conheça o desejo e autorize a doação.

Nesse sentido, campanhas educativas, o envolvimento de escolas e comunidades e a disseminação de informação de qualidade são essenciais para desconstruir mitos e transformar a doação em um gesto natural de solidariedade.

O Brasil, felizmente, já é referência mundial em transplantes. Temos o maior sistema público de transplantes do mundo e somos o segundo país que mais transplanta em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos. Essa estrutura robusta, com equipes qualificadas e protocolos reconhecidos, é motivo de orgulho e mostra o quanto avançamos. Mas nenhum avanço científico substitui o gesto humano que nasce da decisão de doar.

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Também é importante lembrar que a doação não acontece apenas após a morte. A legislação brasileira permite a doação intervivos: qualquer pessoa juridicamente capaz, em condições satisfatórias de saúde, pode doar desde que não prejudique a própria saúde. É possível doar um dos rins e parte do fígado, do pulmão ou da medula óssea, sendo a compatibilidade sanguínea um requisito fundamental. Pela lei, parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores em vida. Já os não parentes só podem realizar a doação com autorização judicial. Nesses casos, o doador se submete aos riscos normais de uma cirurgia, mas passa por exames prévios para minimizar eventuais complicações.

Neste mês, em que celebramos o Setembro Verde e o Dia Nacional de Doação de Órgãos, comemorado em 27 de setembro, peço que parem por um momento, reflitam e conversem com os seus amigos e familiares sobre o tema. Afinal, sou testemunha de que decidir pela doação é decidir pela vida.

*Maria Fernanda Carvalho de Camargo é diretora técnica de Transplantes e Nefrologista do Hospital Samaritano, da Rede Américas

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